Por quê?  Em São Paulo, todo mundo que usa trem e metrô é um pouco engenheiro, é um pouco planejador urbano. Afinal, nós sentimos os problemas do sistema na pele – e uma pele bem próxima à pele das outras pessoas também, é verdade, por causa do aperto.

A extensão do metrô de Londres é equivalente à distância entre São Paulo e Rio. Já o metrô de São Paulo, se fosse uma estrada, só seria suficiente para cobrir a distância entre a capital paulista e Cubatão.  A maior cidade brasileira é servida por 69,4 quilômetros de linhas de metrô e parte dos 260,8 quilômetros de trens metropolitanos da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). É pouco para uma cidade de 1523 quilômetros quadrados -e todo mundo sabe disso. Portanto, é hora de pensar em caminhos. Como o governo pode fazer mais? O que precisa mudar?

Essa conversa começou num papo de Facebook com um dos primeiros leitores do Outra Cidade, o Vagner Alexandre Abreu. Ele respondia a uma reportagem da TV Globo, mostrando que São Paulo não terá um único quilômetro novo de metrô até 2017, que nós publicamos na página do Outra Cidade no Facebook. Ele se interessa muito por transporte público. Quando a gente colocou essas questões, o Vagner usou o tempo dele para responder. Como a resposta era interessante, virou post aqui no Outra Cidade.

Nós sabemos que há outros caminhos para responder a essas perguntas. Mas achamos que um dos primeiros passos para resolver um problema é melhorar o debate sobre ele. O Vagner dá uma boa contribuição para esse papo. No texto abaixo, ele mostra como precisamos de um novo pacto para discutir o metrô – que vai além dos trilhos subterrâneos.

Se você tiver pontos para acrescentar, divergir, concordar, escreva. O Outra Cidade é uma cidade aberta. E o texto do Vagner começa abaixo.

Os trilhos

Sistemas ferroviários são caros e difíceis de implantar. Eles pedem uma área exclusiva. Para tê-las, precisamos fazer desapropriações e readequações, mesmo embaixo da terra. Também há muitos riscos – é só lembrar do acidente na construção da estação Pinheiros da linha 4. 

Porém, estudos de sistemas metroviários existem faz bastante tempo. Se tivéssemos seguido os projetos, já teríamos um bom número de linhas em São Paulo. Mas, infelizmente, vários fatores travaram a expansão. Tem uma série do Via Trolebus que fala sobre isso.

Mapa do sistema de metrô de SP

Mapa do sistema de metrô de SP

Na década passada, quando o governo do Estado de São Paulo anunciou a criação de novas linhas, muitos pensaram que tais construções seriam rápidas. O erro de projeto que causou o acidente em Pinheiros, a questão das obras lentas e os primeiros indícios da corrupção na negociação de linhas e trens começaram a travar o ritmo de instalação de novas linhas. Tudo atrasou – mais uma vez. 

Pelo menos, neste meio tempo, a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) mudou seu padrão de qualidade (apesar dos problemas e dos indícios de corrupção também). A empresa, controlada pelo governo de São Paulo, retificou boa parte de sua infraestrutura de linhas e estações, além de ter colocado novos trens para rodar. Isso ajudou um pouco e colocou “padrão de metrô” (apesar de eu não ser adepto deste termo) no serviço. 

Novas perguntas 

Todo o sistema ferroviário paulistano está sobrecarregado em horário de pico, mesmo com ônibus e metrô. E parece que não é só aqui. Lembrando o podcast do Oene sobre transporte em Nova York (que vai abaixo), sabemos que isso é meio “natural” em grandes metrópoles. 



Para melhorar a mobilidade, temos que nos fazer algumas perguntas: 

  • Quem investiria sem pensar em jogo sujo? 
  • Quem investiria no metrô porque quer ver um metrô bom e funcional e, quem sabe, até usá-lo?
  • Isso é só obrigação de um governo ou pode, sim, colocar empresas privadas para operarem e construírem um sistema metroviário? E como?
  • Precisamos de novos projetos para o metrô ou podemos usar os antigos, só fazendo adaptações?
  • Há formas mais eficientes de transportar pessoas além do metrô? Sistemas tipo VLT (veículo leve sobre trilhos) são uma alternativa?

As perguntas da Globo

Os jornalistas da TV fizeram o seguinte questionamento: “Por que no México, mesmo com corrupção e problemas ambientais a serem resolvidos, as obras seguem, mas, no Brasil, não?”

No Brasil, qualquer obra com indício de corrupção é paralisada. Isso é mostrado quando falam da linha 5 – e lembrando que um dos consórcios da linha 4 está em investigação pela Lava Jato. 

No caso de problemas ambientais, se discute até o cansaço de um dos lados. A rodovia Régis Bittencourt se enquadra nesse caso. O debate ambiental é um dos motivos pelos quais, até hoje, a rodovia ter um trecho não duplicado, o da Serra do Cafezal. 

Há dilemas morais a se resolver aqui. Estamos dispostos a deixar as obras acontecerem, apesar dos problemas de corrupção? Estamos dispostos a sacrificar algumas questões ambientais para ter mais agilidade em obras? Não há respostas simples. 

Por fim, precisamos olhar para outros trilhos. A imprensa costuma usar os serviços do Metrô como ponto de referência, esquecendo que a CPTM hoje atende boa parte das pessoas também. A visão do pessoal da “Commu”, que costuma debater os problemas do metrô e dos trens metropolitanos, é interessante. A CPTM atende uma boa parte da cidade e da região metropolitana. Não tem trilho só na capital paulista.

Por isso, precisamos pensar na possibilidade de um novo pacto sob trilhos. No que estamos dispostos a mexer para melhorar a mobilidade de uma cidade tão grande com uma região metropolitana enorme?

Fim do texto do Vagner. Comentário dos editores do Outra Cidade

O texto do Vagner mostra que a questão vai muito além de “por que o metrô é tão pequeno?”. O governo de São Paulo tem uma enorme responsabilidade, é claro. Vários dos atrasos estão relacionados a falhas de projeto e suspeitas de corrupção.

Mas também há marcos regulatórios – meio ambiente e continuidade da obra após suspeitas de corrupção. As legislações refletem acordos da sociedade.

No final das contas, o ritmo das obras também está ligado a escolhas públicas e políticas que fizemos. Essas legislações não nascem do nada. Elas são fruto de uma sociedade traumatizada com escândalos de corrupção e desastres ambientais.

Por fim, o Vagner fala da CPTM, a companhia de trens metropolitanos. O metrô só atende a cidade de São Paulo, mas nós sabemos que a riqueza da cidade é feita por milhares de pessoas que moram na região metropolitana. É preciso pensar num sistema de transporte que contemple quem mora fora da cidade, mas faz sua vida aqui – e contribui, muito, com o município. É um novo pacto ferroviário, uma agenda feita por quem sente todo dia o quão inaceitável é a nossa locomoção pela cidade.