Os murais de Blu podem ser encontrados em cidades como Berlim, Santiago, Lisboa, Cidade do México, Belgrado e Managua. Suas obras ocupam faces inteiras de edifícios, o que faz com que o resultado do seu trabalho se torne indissociável da construção. Sua arte possui conteúdo político e contextual – no Chile, por exemplo, os muros que cercam o rio Mapocho retratam o projeto da construção da hidrelétrica de Hidroaysén e seu impacto ambiental no ecossistema da Patagônia. Com o mesmo engajamento com que cria suas obras, o muralista começou há algumas semanas a apagar todas as que faziam parte da paisagem de sua cidade natal, Bolonha.

O local onde nasceu é uma das poucas informações disponíveis sobre Blu, que prefere não ser identificado. Apesar de ter sido a primeira cidade a receber seus murais, Bolonha não foi a primeira a ser destituída de obras do artista. Em 2014, o artista apagou dois de seus trabalhos em Berlim, realizados em construções vizinhas. Ícones da capital alemã, as obras foram apagadas anos depois porque tinham se tornado um dos fatores que impulsionaram a valorização imobiliária da região de Kreuzberg. Lutz Henke, coautor dos murais (assim como da sua extinção), escreveu para o Guardian contando que foi hostilizado enquanto cobria seu trabalho com uma camada de tinta e explica o que o levou a tomar essa decisão:

    “Os murais involuntariamente tomaram parte nessa realidade como um local de peregrinação de tours de arte de rua, como estampa de cartões, capas de livros e discos. A cidade começou a usar a estética da resistência para suas campanhas de marketing”

Um dos murais, de 2006, retratava duas figuras, o lado leste e o oeste, se desmascarando. Na outra, pintada dois anos depois, se via um homem usando dois relógios de ouro acorrentados como algemas. Lutz diz que o seu desaparecimento era inevitável porque a arte de rua está sujeita ao incerto, mas ressalta que a ação buscava destacar “a função social das intervenções artísticas”.

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Na Itália, uma exposição que introduziria os visitantes à arte urbana de Bolonha levou Blu a apagar, um a um, seus trabalhos da paisagem da cidade. O evento Street Art: Banksy e Co – a arte na condição urbana, lançada este mês, incluía uma obra que havia sido extraída de um muro com o objetivo de “salva-lo da demolição e dano causado pelo tempo”. A arte urbana deixava de ser arte urbana, mas era catalogada como tal. Blu escreveu um post para o blog do coletivo literário Wu Ming uma declarando o motivo do apagamento de suas obras e contextualizando seu protesto.

      “Depois de ter denunciado e criminalizado o grafite como vandalismo, depois de ter oprimido a cultura que o criou, após ter evacuado os locais que funcionavam como laboratórios para os artistas, agora a Bolonha quer se apoderar e posar como os salvadores da arte de rua”

Em dezembro, a administração municipal recebeu uma delegação de voluntários que participaram de um projeto para livrar a cidade daquilo que chamou de “vandalismo gráfico”. Depois dessa demonstração gratuita, a prefeitura passou a oferecer um serviço pago para remoção de grafites para administradoras de condomínios.

Para evitar que seus murais se tornem privados ou impulsionem a alta de preços dos aluguéis e propriedades da região, o muralista começou a apagá-los antes da abertura da exposição. Contando com a ajuda de coletivos locais e voluntários, Blu cobriu de tinta cinzenta suas obras, algumas com mais de 20 anos de existência. Ele foi denunciado à polícia pela ação.

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Se, por um lado, os organizadores da exposição não pediram autorização para o autor antes de incluir suas obras no evento, por outro, os murais foram retirados pelo museu de prédios abandonados para serem exibidos no evento e os envolvidos alegam que pediram permissão aos proprietários dos edifícios. O caso de Blu expõe as reações contraditórias despertadas por trabalhos não requisitados ou permitidos que oscilam entre rejeitar como poluição visual indesejada pelos proprietários e pela administração pública ou promover como atrativos turísticos e imobiliários.