A autora: Sacha Brasil tem 27 anos e é jornalista formada pela UnB, mas virou publicitária de coração. Nasceu em Belém do Pará, mas conquistou o direito de ser brasiliense por usucapião. Acredita que conseguir ver o pôr do sol é um sinal inquestionável de qualidade de vida. Esse texto nasceu de um papo no Facebook após o Leonardo Rossatto listar 8 princípios para uma cidade livre de stress e com menos solidão.

Nota da redação: Esse texto inaugura a área “A minha Cidade”. Aqui, entram textos, vídeos, fotos, o que for que mostre a relação entre você e o lugar em que você vive – do namoro ao relacionamento aberto. Vale declaração de amor, manifesto de dúvida, conto maroto, crônica sensual sem ser vulgar. O importante é mostrar a sua cidade para outras pessoas. Afinal, qualquer cidade vale a pena se a alma não é pequena (dizem por aí).

Lago Paranoá e terceira ponte (foto: Sacha Brasil)

Lago Paranoá e terceira ponte (foto: Sacha Brasil)

Brasília, uma gata de céu azul e horizonte infinito

Nasci em Belém, no Pará. Morei por lá durante 12 anos da minha vida enchendo o bucho de açaí e tacacá. É, a chuva em horário certo é uma realidade (mesmo). Mas não é disso que vim falar. Agora, moro em São Paulo. Até eu experimentar a dor e a delícia dessa selva de pedras, nunca pude imaginar a falta que ia me fazer ver o pôr do sol.

Depois de Belém, minha família e eu nos mudamos em busca do sonho de uma vida melhor, com mais qualidade e estabilidade. Graças a eles, meus pais, pude crescer em um lugar onde os prédios são baixos e padronizados com, no máximo, seis andares.

As ruas são planas, os espaços são abertos e a retidão dá a sensação de poder tocar o infinito. Essa configuração permite que qualquer pessoa que esteja na rua por volta das 18h30 possa ver o sol se pôr – e de qualquer canto da cidade. Dizem que esse lugar tem um dos céus mais bonitos do Brasil. Mesmo o período de seca, que deixa a pele cinza e os lábios rachados, tem seu charme. É o momento de observar uma mistura de cores que faz chorar os olhos, involuntariamente.

“Senhores visitantes, em Brasília evitamos buzinar”, diz uma placa na entrada da cidade. E é verdade.

Com o aumento gradativo de pessoas, carros e engarrafamentos, já se ouvem algumas buzinas isoladas em Brasília, mas ainda não se compara ao caos de outras cidades grandes. Dessa forma, podemos sentir o silêncio pairando, preenchendo espaços tão cuidadosamente desenhados por Lúcio Costa, concretizando o famoso sonho de Dom Bosco.

Voltar a Brasília, após longos períodos no stress de São Paulo, é como abrir os braços, fechar os olhos e sentir o vento no rosto. Isso é o que eu chamo de paz. Ao contrário do que sinto em São Paulo, onde os prédios te engolem, lá a cidade se abre, se desnuda, me mostrando de uma vez só tudo que ela pode oferecer. Mas é claro que, para alguém de fora, aquele emaranhado de números e letras não diz nada.

Esplanada dos Ministérios (foto: Sacha Brasil)

Esplanada dos Ministérios (foto: Sacha Brasil)

Muitos são os relatos de que Brasília não tem esquina, não tem gente andando na rua, não tem calor humano.  Mas, à maneira brasiliense, a esquina está lá! Em cada uma delas, podemos encontrar um bom e velho boteco. Os cruzamentos são substituídos por rotatórias (carinhosamente chamadas de “balões”), que dão fluidez ao trânsito. Nas tesourinhas, é possível passar um dia inteiro rodando se você não souber pegar a saída certa. Na principal via da cidade, o Eixão (que corta as asas Norte e Sul), você pode ir de uma ponta à outra sem encontrar sequer um sinal de trânsito.

Dar o seu endereço para uma pessoa de fora pode ser confuso. Perguntas como “qual é o nome da rua?” ou “qual é o número?” ficarão sem resposta. Não tem nome de rua em Brasília, simples assim. E como são divididos os prédios? Em superquadras. E o que diabos é uma superquadra? Calma, eu explico. Superquadra é um conjunto de prédios, divididos em blocos. São 16 superquadras norte (SQN) e 16 superquadras sul (SQS). Eu, por exemplo, morava na SQN 307, bloco F. Ok, não é fácil, mas depois que pega a lógica, você chega a qualquer lugar facilmente. Mais fácil que decorar nomes de rua.

Transporte público na capital

Como toda cidade grande, Brasília é uma gata que também tem pontos negativos. O fato de as pessoas usarem majoritariamente carros é um deles. Como os espaços são muito abertos, dependendo de onde você vá, as distâncias são longas para ir a pé. A vantagem de usar o carro é que você pode percorrer muitos quilômetros em poucos minutos. Andar 20 quilômetros para ir e voltar do trabalho é uma realidade vivida por muitos em Brasília (considerando as áreas expandidas e demais regiões administrativas, o chamado “entorno”). O bom é que a gente pode gastar 15 minutinhos para fazer isso (dados sem nenhuma precisão, pois nunca fui muito boa naquele tal de delta S sobre delta T das aulas do ensino médio).

Mas nem todo mundo tem carro, né? Então entramos no segundo problema: transporte público. É duro depender de ônibus e metrô em Brasília. Ônibus tem pouco, metrô não atende boa parte da cidade. Outro problema: a impressão de que não tem ninguém andando na rua. Já viu uma cidade sem pessoas? Brasília pode parecer assim mesmo. É ruim.

Memorial Juscelino Kubitschek (foto: Sacha Brasil)

Memorial Juscelino Kubitschek (foto: Sacha Brasil)

Outro problema que tem se tornado recorrente. É tudo tão silencioso que qualquer barulhinho incomoda. A lei do silêncio é seguida à risca. Como os centros comerciais, onde estão os bares e restaurantes, são muito próximos aos blocos residenciais, o problema é grande. Hoje, é muito difícil sentar no bar e falar um pouquinho mais alto – ou perder o controle em uma gargalhada. Vários bares estão sendo fechados pela lei do silêncio.

E nem são bares baratos, é bom dizer. Brasília é uma cidade cara, especialmente para morar. É normal, e aparentemente aceitável, pagar preços exorbitantes por metro quadrado.

Dê uma chance a Brasília

Às vezes as pessoas parecem frias. Para uma pessoa de Belém, onde todo mundo fala com você a todo momento, realmente foi um choque. Logo no meu primeiro dia de aula na escola nova, lembro da frase da minha primeira amiga na cidade:

“Aqui, se você não falar com as pessoas, ninguém vai falar com você”

É um pouco verdade, mas posso dizer que, depois que engrena (e você aprende a fazer carão), fica tudo bem. Brasília me deu as pessoas que mais amo no mundo. E, diferente de São Paulo, em que o pessoal pode ser um pouco individualista, apesar de muito simpático, lá, no Planalto Central, a gente anda bem grudado, faz tudo junto, frequenta a casa dos amigos, conhece a família inteira. Lá, a solidão só te ganha se você deixar.

Se você foi a Brasília e teve uma má impressão – ou mesmo se você acredita que ela se resume a política (não, eu não encontro presidentes andando na rua) – recomendo visitá-la junto com um brasiliense (mesmo que fajuto, como eu). Garanto que tudo vai mudar, e que, quando você menos esperar, será mais um admirador da cidade-avião.

*Gostaria de lembrar que essa é apenas a minha visão da cidade, e que ela está longe de ser a regra. É só um pequeno recorte dentro de um universo infinito de possibilidades e formas de viver em Brasília.

Pôr do sol em Brasília, com a catedral ao fundo (foto: Sacha Brasil)

Pôr do sol em Brasília, com a catedral ao fundo (foto: Sacha Brasil)