Tragédias no Haiti parecem sempre ter zeros a mais no final. Foram cerca de 1.000 mortos pela passagem do furacão Matthew na última semana, com cerca de 175.000 desabrigados. Em 2010, um terremoto foi ainda mais devastador: 160.000 mortos, 300.000 feridos, 1.500.000 (caso você tenha se perdido nos zeros, é 1,5 milhão) de desabrigados. Entre um desastre e outro, uma epidemia de cólera já atingiu 720.000 pessoas, matando 9.000 delas.

A natureza tem sido cruel com os haitianos, mas muitos dos zeros nas estatísticas se devem a motivos bastante humanos. Por mais forte que sejam furacões e terremotos, a quantidade de danos está diretamente ligada à vulnerabilidade econômica, social e estrutural dos lugares atingidos. Sobretudo nas cidades, onde há maior concentração de pessoas e, por isso, são os lugares em que se produzem a maior parte dos trágicos números após grandes desastres naturais.

O Haiti é um grande exemplo disso. Sua infraestrutura nunca foi problemática, mas se deteriorou demais após décadas de guerra pelo poder. Além disso, o crescimento urbano sem planejamento e realizado em diversos momentos de crises humanitárias fez que grandes áreas das principais cidades (em geral as mais pobres) não tivessem capacidade de resistir aos desastres aos quais o país está sujeito.

Em 2010, um terremoto destruiu boa parte das cidades haitianas, inclusive a capital Porto Príncipe. O tremor foi forte, 7 graus na escala de magnitude, mas a destruição (160 mil mortos, 250 mil casas – incluindo o palácio presidencial – destruídas) foi desproporcional. O terremoto de Tohoku, norte do Japão, em 2011 teve magnitude 9 e matou pouco menos de 16 mil pessoas (10% do total de mortes no Haiti no ano anterior), incluindo as vítimas dos tremores e do tsunami que devastou a região.

O terremoto de 2010 criou um ambiente ainda mais propício a tragédias, por fez a infraestrutura e o desenvolvimento das cidades haitianas retrocederem algumas décadas. A falta de saneamento levou a uma epidemia de cólera. E, com 55 mil pessoas ainda vivendo em abrigos provisórios, a falta de estrutura para resistir a um furacão é ainda menor, até porque não há infraestrutura viária e transporte suficiente para milhares de pessoas deixarem suas casas e buscarem regiões mais seguras, como ocorreu no sul dos Estados Unidos dias depois.

“O Haiti é provavelmente o exemplo mais extremo de vulnerabilidade a um grande desastre, de qualquer tipo”, comentou o diretor do Centro de Preparação para Desastres da Universidade de Columbia, Irwin Redlener, em entrevista ao site Market Place.

Ainda que o caso do haiti seja especialmente grave, pela junção de problemas históricos, econômicos e estruturais, ele serve de alerta para vários outros países com déficit nessas áreas. Inclusive o Brasil.

Os brasileiros se vangloriam do fato de essa região do globo não sofrer com furacões, vulcões e terremotos, mas isso não deixa o País livre de desastres, alguns provocados pela natureza, outros pelo homem. Tragédias como a provocada pelas chuvas no Morro do Bumba (Niteroi) em 2010 e na Serra Fluminense em 2011 ou pelo rompimento de uma barragem em Mariana, Minas Gerais, mostraram como as cidades brasileiras são vulneráveis a tragédias. Muitas das mortes poderiam ser evitadas com planejamento e infraestrutura mais adequada para prever essa possibilidade.

A tragédia do Haiti precisa ser conhecida e lamentada. Mas também precisa ser vista como alerta.