O que é uma praça? É um local que pode – e deve – servir como ponto de encontro de uma comunidade, uma área para interação entre as pessoas e entre as pessoas e sua cidade. Mas, para uma criança, uma praça pode ser muito mais. Na verdade, pode ser tudo. Pode ser um castelo, pode ser um campo de futebol, uma floresta, uma pista de corrida, um labirinto, um caminho de obstáculos, uma cidade inteira. Depende apenas do que ela imaginar, e dos elementos que forem dados para despertar essa imaginação.

Nem sempre se dá a devida atenção à função das crianças na vida de um espaço público. Mas elas, por sua própria capacidade de criar situações mais diversas na sua cabeça, talvez saibam como ninguém o quanto praças e parques podem ser utilizados das mais diferentes formas. E criar essa conexão entre os pequenos e essas áreas é um bom aprendizado para formar uma comunidade que preze pelos seus espaços, que não tenha medo de sair de casa para ocupá-los, melhorá-los e até torná-los mais seguros.

Foram ideias como essas que passaram na cabeça do designer Roni Hirsch quando seu filho nasceu em 2013, justamente na época das manifestações populares que marcaram aquele ano. A relação dos brasileiros com seu país estava mudando. Era momento de ele também fazer algo, sobretudo para o recém-chegado Ravi. Foi o início do Erê Lab.

O projeto surgiu em 2014. Roni aproveitou a experiência que já tinha em design e cenografia para criar uma empresa de mobiliário urbano para crianças. Mas o objetivo era ir além dos brinquedos tradicionais de playground. O objetivo era trabalhar essa ideia para criar novas estruturas, que instigassem a capacidade da criança de criar interações e brincadeiras novas.

“Nosso primeiro trabalho foi na Made (feira de design). Levamos algumas peças, mas eram grandes. Acabaram nos oferecendo uma área verde, uma espécie de praça que havia no espaço. Apostamos na ideia e teve muito retorno. O público entendeu que eram mobiliário infantil com design, com elemtnos diferentes que conversavam com o conceito da Made. Mas as crianças adoraram, começaram a brincar lá e até teve site que mencionou nosso trabalho como se fosse o espaço infantil da feira”, conta Hirsch.

A partir daí, o Erê Lab (“erê” vem do yorubá “iré”, “divertimento”) ganhou corpo. A empresa já tem sido chamada para trabalhar em diversos eventos públicos. Apenas em 2015 foram quase 30. Bastante, considerando que a produção quase toda é em oficina própria, com equipamentos muitas vezes feitos sob medida para o cliente.

Pode soar como limitação industrial, mas a própria filosofia dessa startup prevê essa linha de atuação. Há equipamentos em catálogo para venda ou aluguel, mas o Erê Lab também cria produtos sob medida e realiza workshops para explorar a fantasia das crianças em um espaço público. Um elemento importante nessa área, sobretudo pela dificuldade de muita gente (adultos, claro) entender quão complexa pode ser a interação dos pequenos com os espaços.

“É preciso um grande exercício de abstração para enxergar a cidade com os olhos de uma criança”, comenta Hirsch. “É tudo diferente, mesmo entre elas. Uma criança da região da avenida Paulista (zona central de São Paulo) brinca de forma diferente de uma criança da periferia. Elas têm bagagem diferente, reagem diferente. Quando montamos um espaço na periferia, algumas tinham até receio de usar no começo. Perguntavam: ‘É para mim? Posso usar, tio?’. Na Paulista, eles já vão e usam.”

Roni Hirsch e Heloisa Paoli, diretores do Erê Lab (Divulgação)

Roni Hirsch e Heloisa Paoli, diretores do Erê Lab (Divulgação)

A dificuldade de entender como as crianças percebem o espaço cria obstáculos no momento de propor equipamentos para certas áreas públicas. “As licitações ainda são muito limitadas, padronizadas. Definem os quatro ou cinco brinquedos de sempre, com aquele jeito que é feito há décadas. É difícil fazer uma praça com playground diferente desse jeito, e, para a criança, quanto mais louco, melhor”, explica Heloisa Paoli, diretora-executiva da empresa.

Ainda assim, o Erê Lab consegue espaço em projetos diferentes. “Já fizemos áreas de lazer de shopping AAA e condomínio de luxo no interior de São Paulo a unidades do Sesc e comunidades carentes no Rio de Janeiro”, diz Hirsch.

Se projetos como esse ganharem força, as áreas públicas tendem a receber mais e mais crianças. A partir dessa ocupação e do entendimento do que ela traz, é natural que surjam demandas por melhorias dos espaços, como estrutura para descanso (afinal, a criança raramente vai sozinha a um parque ou praça), limpeza da área, faixas de pedestres, rampas e iluminação. Benefícios para qualquer pessoa, de qualquer idade.