O Estatuto das Cidades completa em 2016 quinze anos desde a sua aprovação. O Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), coletivo de entidades que apresentou a Emenda Popular da Reforma Urbana durante o processo de elaboração da Constituição de 1988, se dedicou a aprovar o estatuto nos anos 1990 e hoje busca fazer valer o seu texto.

A campanha “Cidade para quem? Olho no seu voto”, lançada pelo FNRU esse mês, propõe aos candidatos o compromisso com a transformação da cidade em um lugar menos desigual e segregado. Para estimular o debate sobre a função social da propriedade, o Fórum realizará projeções e uma conversa de rua no próximo dia 25, na avenida Paulista.

Conversamos com Nelson Saule, coordenador de Direito à Cidade do Instituto Pólis e membro da coordenação da campanha, sobre os instrumentos de aplicação do Estatuto das Cidades e as atuais políticas públicas voltadas para o cumprimento da função social da propriedade.

Qual é a proposta de desenvolvimento urbano feita pelo Fórum para as cidades?

O principal ponto é uma política de desenvolvimento urbano voltada para cidades mais inclusivas, justas e democráticas. Uma outra visão de cidade, que não esse modelo desigual que foi se consolidando.

A campanha “Cidade para quem? Olho no seu voto” é um desdobramento da campanha pela função social da cidade e da propriedade? Quais são os movimentos e entidades envolvidos na Campanha pela Função Social da Cidade e da Propriedade?

A campanha de “Cidade para quem? Olho no seu voto” é mais focada nas eleições municipais, para sensibilizar os candidatos a respeito do tema da reforma urbana. Como já estávamos desenvolvendo a “Campanha pela Função Social da Cidade e da Propriedade”, que é mais ampla, continuamos dando ênfase a esse tema. Os eixos são função social da propriedade pública, direcionamento dos espaços públicos para favorecer a coletividade, combater a existência dos vazios urbanos para que se estabeleça o uso efetivo para moradia, eventos culturais e também atividades econômicas.

Nelson Saule, coordenador de Direito à Cidade do Instituto Pólis (Divulgação)

Nelson Saule, coordenador de Direito à Cidade do Instituto Pólis (Divulgação)

Por que vocês decidiram lançar a Campanha Pela Função Social da Cidade e da Propriedade no Rio de Janeiro?

Ela foi lançada em um evento pouco antes da Olimpíada, organizada por movimentos do Rio de Janeiro que acompanharam os despejos nas áreas das obras, principalmente na Vila Autódromo, onde a comunidade foi muito impactada e eles tiveram que ir morar em lugares distantes. Foi uma maneira de lançar a campanha e, ao mesmo tempo, também chamar a atenção para o que estava acontecendo.

A prefeitura de São Paulo lançou recentemente o Mapa Colaborativo da Função Social da Propriedade. Você acredita que a prefeitura possui os recursos e instrumentos necessários para agir a partir dos dados coletados?

A prefeitura de São Paulo é uma das poucas que já está aplicando os instrumentos do Estatuto da Cidade. Por exemplo, no caso da Edificação e Utilização Compulsória: desde 2014 estão sendo notificados imóveis que não estão cumprem a função social. Acho que é um dos poucos municípios que já está na fase da exigência do cumprimento do estatuto. A prefeitura tem os critérios definidos no Plano Diretor, especificando onde esses instrumentos podem ser aplicados e tem um cadastro desses imóveis, o papel a ser cumprido agora é manter isso atualizado.

Você considera a desapropriação um instrumento para a reforma urbana? Como você avalia a forma que a desapropriação vem sendo usada em São Paulo?

Há dois tipos previstos de desapropriação: o primeiro é mediante pagamento de um valor justo, em dinheiro, para fazer uso que diz respeito a um interesse público. Para fins de cumprimento da função social, esse não é o instrumento mais adequado. No segundo tipo, presente no estatuto como desapropriação por descumprimento da função social, o pagamento não é justo e é pago em títulos da dívida pública. Achamos que esse é um instrumento adequado. É aplicável depois que os proprietários não cumprirem por dois anos. Depois disso, há o aumento progressivo no IPTU por cinco anos. Só então a prefeitura pode aplicar a desapropriação-sanção. Logo, é adequado, mas é um processo que gera uma limitação temporal.

Você considera que a concessão de espaços públicos para a iniciativa privada nos moldes do Mirante Nove de Julho (que deve ser aplicada em outros lugares) contribui para o cumprimento da função social das áreas comuns?

No que diz respeito aos espaços públicos, o objetivo é que ele seja acessível para a população e atenda às necessidades e demandas da população. A princípio, não existe problema em ceder para a iniciativa privada, desde que não gere privatização, no sentido de limitar o acesso das pessoas a esses espaços.

Quais são os próximos passos da Campanha?

De olho no seu voto, estamos agora na fase de sensibilização da opinião publica e dos candidatos à prefeitura, fazendo intervenções de rua. Em um segundo momento, avaliaremos e tornaremos público se os candidatos, uma vez eleitos, irão assumir os compromissos da campanha. Vale para o legislativo também, mas como o principal responsável pela execução dessa política é o executivo, daremos uma ênfase aos candidatos majoritários.