Rio de Janeiro e São Paulo, como duas das maiores metrópoles do hemisfério ocidental, são duas cidades que têm na mobilidade uma questão fundamental para qualquer plano de urbanização. Mas até que ponto suas politicas promovem a melhoria nessa área? O Instituto de Políticos de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) avaliou os instrumentos legais usados nos dois municípios e o processo de implantação de dois corredores de transporte para medir o grau de alinhamento com o Dots (sigla para Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável), um modelo que busca alinhar as políticas de urbanização de forma que ela promova a mobilidade ativa e o uso do transporte público.

Entre os instrumentos legais definidos pelo Estatuto das Cidades para guiar a política de desenvolvimento estão os planos diretores, o zoneamento urbano, o código de obras e edificações e as operações urbanas consorciadas. O estudo do ITDP avalia a Operação Urbana Consorciada (OUC) Bairros do Tamanduateí em São Paulo e a Área Especial de Interesse Urbanístico (AEIU) Transcarioca no Rio de Janeiro. Enquanto o primeiro é voltado para o adensamento construtivo e demográfico da área que abrange cinco bairros paulistas e estabelece regulamentações para as mudanças necessárias para alcançar esses objetivos, a segunda prevê diretrizes e incentivos para o entorno do BRT Transcarioca.

Na avaliação do instituto, a participação da população foi mais efetiva no processo de elaboração da OUC que na da AIEU, uma vez que não ficou claro como as sugestões dadas nas audiências públicas contribuíram com o projeto carioca. No caso paulistano, mais audiências foram realizadas e as propostas dadas pelo público foram registradas e sistematizadas para análise.

O sistema de BRT implantado no Rio de Janeiro será integrado ao BRT TransBrasil, ainda em implementação e já possui conexão com os corredores TransOeste e TransOlímpico. Com 47 estações, a AIEU abrange bairros do centro histórico como Bonsucesso, Penha e Madureira.

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Entre os pontos positivos da legislação elaborada para conduzir o desenvolvimento urbano na AIEU está a inclusão da possibilidade de aumento de gabarito e a exclusão de número mínimo de vagas de estacionamento para edifícios residenciais, com a previsão de um limite máximo de uma por unidade habitacional. Uma contradição encontrada é que a obrigatoriedade de bicicletários em edifícios residenciais não vem acompanhada de um plano de ação para implantação de rotas cicloviárias. Edifícios que misturam usos comerciais e residenciais e abrigam a diversidade de renda, além do estabelecimento da arborização obrigatória para favorecer os pedestres também estão entre os acertos indicados.

No entanto, o instrumento legal que regulamenta mudanças no entorno da Transcarioca também permite a construção de edifícios-garagem a uma distância de até 200 metros da estação, o que é considerado um aspecto negativo dos planos feitos para a área. Outros erros apontados pelo ITDP são deixar aberta a possibilidade de que os recursos captados como contrapartida pela prefeitura sejam aplicados em favorecimento do transporte particular motorizado (como, por exemplo, mais estacionamentos) e também que a AIEU abranja um raio menor do que deveria, comprometendo seu impacto potencial.

Em São Paulo

O corredor da Operação Urbana paulistana possui integração com o metrô, conectando-se com a linha verde no Terminal Sacomã e, no futuro, a área abrigará também três estações da linha turquesa da CPTM. Para o ITDP, a OUC acerta ao tornar obrigatórias as fachadas ativas nos corredores de centralidade e em prever a destinação de parte dos recursos obtidos em contrapartida pelo poder público para investimento em habitação social. Outro ponto positivo é a previsão de alguns casos de interligação por passeio público obrigatória entre quadras, o que possibilita a construção de torres garantindo a conectividade.

Os erros apontados pelo instituto são a inclusão de incentivos para a construção de edifícios-garagem (desde que eles tenham cobertura verde) e o desperdício da oportunidade de viabilizar a expansão do transporte sobre trilhos e a abertura das estações previstas no plano do corredor Expresso Tiradentes. Apesar de uma rota cicloviária  ter sido traçada, não foram feitas especificações sobre cronograma, recursos ou mesmo discussão popular sobre seu desenho.

O uso misto – comercial e residencial – dos prédios, contemplado pelas duas propostas, é um ponto importante de alinhamento com o Dots, minimizando as distâncias dos deslocamentos ao aproximar moradia e emprego. Os dois planos, no entanto, deixam aberta a possibilidade de construção de edifícios garagem estimulando as viagens de transporte individual motorizado. Além disso, as intervenções voltadas ao aprimoramento da rede de transporte público não são especificadas, assim como não há detalhes sobre a implantação de infraestrutura cicloviária – o que deixa em aberto a possibilidade de que essas estruturas sejam definidas de acordo com interesses que não necessariamente públicos.