Está na televisão, está no rádio, está na internet, nas redes sociais, na conversa na rua e, principalmente, está no corpo de qualquer um que saia de algum ambiente climatizado. O centro-sul do Brasil está em uma onda de frio particularmente intensa e é virtualmente impossível alguém não saber disso. No Sul, a temperatura ficou abaixo de zero várias vezes. Em São Paulo, as madrugadas têm ficado constantemente em torno de 5ºC.

Por isso, infelizmente não surpreende a notícia de que cinco pessoas em situação de rua já morreram na capital paulista em decorrência da hipotermia. O que surpreende mesmo é saber que, nesse cenário, a Guarda Civil Metropolitana (GCM) tem retirado colchões, papelões (que são transformados em abrigos) e até cobertores de moradores de rua, itens fundamentais para eles poderem dormir com um mínimo de segurança. Os repórteres Bruno Ribeiro e Felipe Cordeiro fizeram um ótimo relato da situação no jornal Estado de São Paulo.

Os argumentos para essa ação é evitar que as pessoas em situação de rua acabem criando moradias improvisadas. Os argumentos são claros. Na reportagem do Estadão linkada acima, Gilson Menezes, comandante da GCM, comentou: “Damos auxílio nesse trabalho de remoção de material inservível. E são retirados os colchões, realmente. É para tirar moradias precárias. A ideia de retirar os colchões é evitar que o espaço público seja privatizado”.

O prefeito Fernando Haddad foi dúbio ao comentar o caso nesta terça (14), pois afirmou que a retirada do material é proibida, mas há uma ordem para evitar a favelização. “E o que é favelizar? É aquilo que acontecia no Largo São Francisco. Aquilo que acontecia na região da Luz. Na Praça da Sé. Nós fizemos a desfavelização em sete praças públicas da cidade de São Paulo. Sem nenhum higienismo. Todo mundo que estava na praça foi acolhido pelos equipamentos da Prefeitura”, disse.

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Os “equipamentos da prefeitura” são abrigos. Há uma discussão já bastante antiga e conhecida das autoridades sobre o porquê de essas instalações não serem aceitas por muitos moradores de rua. E os principais motivos são as condições impostas para quem vai dormir esses espaços: horários de entrada e saída, veto a animais de estimação, dificuldade em guardar carroças (ferramenta fundamental de trabalho), não acolhimento de casais ou de famílias, localização (muitas vezes distante das regiões em que o morador está estabelecido).

O modelo de acolhimento de pessoas em situação de rua é complexo e vale uma longa discussão. Independentemente de qual seja a visão de cada lado sobre o sistema atual, uma coisa deveria estar acima de tudo isso de tão óbvia que é: no frio que vem fazendo, retirar cobertores e abrigos de moradores de rua é aumentar brutalmente a chance de as estatísticas de mortes de frio aumentarem a cada manhã.

Obs.: Se você quer entender como se “morre de frio”, veja aqui.