O que é? Pedestres distraídos dividem opiniões a respeito da responsabilidade pelos acidentes de trânsito. Uma campanha alertando sobre o perigo de andar distraído foi lançada pela Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos acompanhada de recomendações como usar fones de ouvido em baixo volume para ouvir os sons do tráfego e se afastar do fluxo de pedestres quando precisar conversar com alguém na rua. Além de questionar o que estaríamos dispostos a fazer para reduzir o número de acidentes, as cidades enfrentam o desafio de abordar essa questão sem intimidar quem se locomove a pé.

Educar x alarmar

Pedestres distraídos parece ser um perigo menor se levarmos em consideração o número de mortes em acidentes de trânsito no Brasil. Nos Estados Unidos, cidades como Nova York adotaram o Vision Zero, programa que tem como meta zerar o número de mortos e feridos nas vias, pensar em maneiras de reduzir o número de acidentes não fatais entre pedestres parece ser naturalmente o próximo passo. A pergunta é: até onde campanhas para prevenção de acidentes podem ir para não desestimular a caminhada em si.

Uma pesquisa realizada pela Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos (AAOS) conta uma história sobre os acidentes sofridos por caminhantes distraídos: 15% sofreram cortes significativos, ferimentos dolorosos ou tiveram um ou mais ossos quebrados. Ainda assim, 68% dos pedestres que sofreram algum acidente causado por distração na rua trombaram com alguém ou alguma coisa sem sofrer nenhum ferimento e 18% chegaram a cair, mas não se machucaram.

Segundo o levantamento, quatro em cada dez americanos presenciaram um acidente causado por distração de pedestres. Com base nos dados levantados pela pesquisa, a AAOS faz recomendações um tanto quanto superprotetoras e até fora da realidade. Veja:

  • Se você necessita usar fones de ouvido enquanto caminha, mantenha o dispositivo em um volume que não abafe o som ambiente;
  • Enquanto você caminha, mantenha o foco nas pessoas, assim como em objetos e obstáculos à sua frente e do entorno;
  • Não atravesse a rua sem olhar se os carros estão vindo, cruze em segurança, cuidadosamente e preferencialmente num semáforo, sempre atento ao tráfego de pedestres, carros e bicicletas;
  • Olhe para a frente, não para baixo, especialmente quando estiver subindo ou descendo do meio fio ou entre grandes cruzamentos, se aproximando de degraus ou escadas rolantes.
  • Trânsito pode ser especialmente intenso durante os feriados, fique em alerta nos shopping e em ruas próximas;
  • Se você precisar conversar com uma criança ou adulto perto de você, fazer uma ligação, digitar uma mensagem ou outra ação que desvie sua atenção do destino para o qual você precisa ir em segurança, pare em algum ponto distante do fluxo de pedestres.

Para chamar a atenção para o perigo de andar e digitar no celular ao mesmo tempo, a AAOS produziu um vídeo (abaixo, em inglês) para uma campanha chamando esses pedestres descuidados de “deadwalkers”.  No entanto, a pesquisa não diz nada sobre acidentes causados por pedestres distraídos que feriram ou resultaram na morte de outras pessoas além de eles mesmos. A pesquisa, ao perguntar se os participantes achavam mais perigoso andar distraído ou dirigir distraído, coloca em um mesmo nível dois comportamentos que oferecem riscos completamente diferentes.

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Claro que andar distraído pode colocar o pedestre em risco, mas os entre os comportamentos inadequados que a pesquisa listou para que os participantes avaliassem estavam: conversar, ouvir música, andar distraidamente e usar smartphones. Quem nunca foi culpado por praticar pelo menos uma dessas “infrações” que aplique a primeira multa. Sim, multas. Utah já aplica multas de US$ 50 em pedestres que caminham distraídos nas regiões próximas às linhas de trem.

Outras ações mais provocadoras que sérias, como a implantação de faixas para quem anda por aí sem desviar os olhos da tela do celular, foram feitas em Chongqing e Washington. Campanhas mais educativas, como a da Universidade de Stanford, abordam a questão de forma bem-humorada em cartazes espalhados pelo campus.

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A Universidade Estadual de Ohio publicou uma pesquisa em 2013 que mostrava que o número de atendimentos emergenciais prestados a pedestres americanos feridos enquanto se distraíam usando smartphones nas vias aumentou de 559 em 2004 para 1.500 em 2010. No último final de semana, uma chinesa que andava distraída caiu num rio e morreu afogada.

Nada disso justifica a divulgação de dados enviesados de forma alarmante por uma instituição como a AAOS, principalmente em um país onde há uma palavra específica, “jaywalking”, para designar travessia de pedestres fora da faixa e pessoas são de fato punidas por isso. Caminhar ainda não é habitual para muitos americanos e condenar pedestres que conversam ou se distraem com a paisagem aumenta o alarmismo em torno de um risco que deveria ser abordado de maneira mais educativa e menos aterrorizante. Nenhum pedestre sai de casa louco para causar um acidente (do qual ele provavelmente será a principal vítima), mas pode ser que venha a deixar de sair a pé por medo de sofrer um.