Uma longa jornada, que pode chegar aos oito mil quilômetros que separam a Europa e a África do Sul. É o trajeto que as cegonhas brancas europeias fazem todo ano, entre julho e setembro, em busca de comida. Para realizar a viagem, as aves pegam carona em correntes térmicas e conservam energia durante o voo, limitando o batimento das asas ao mínimo possível. Ainda assim, nem todas resistem ao esforço, sobretudo as mais jovens. Por isso, opções mais cômodas para ter alimento durante todo o ano são bem-vindas. E é o que elas encontram nos aterros sanitários das grandes cidades.

Usando dispositivos GPS de alta resolução e sensores de aceleração, cientistas alemães rastrearam 70 cegonhas jovens para comparar seus movimentos migratórios. Por meio da observação das trajetórias das aves nos seus primeiros meses de vida, a pesquisa identificou que em vez de percorrer centenas quilômetros em busca de comida, alguns deles escolhem parar em aterros e depósitos para se alimentar de lixo e insetos.

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Os percursos realizados nos primeiros cinco meses de vida são importantes para o desenvolvimento das aves, que depende da escolha da melhor estratégia migratória possível. Como o ser humano não para de acumular resíduos nos lixões e aterros, os filhotes deixam de partir para uma jornada longa e incerta para ficar nos depósitos, onde encontram uma despensa farta para garantir sua sobrevivência durante o inverno.

Os dados foram coletados de oito populações diferentes provenientes da Armênia, Grécia, Polônia, Espanha, Alemanha, Tunísia e Uzbequistão. Enquanto as aves da Rússia, Grécia e Polônia voaram até a África do Sul, as cegonhas espanholas, alemãs e tunisianas se limitaram a voar até o meio do caminho, parando no Sahel, uma região semiárida entre o deserto do Saara e o Sudão. As cegonhas uzbeques nem chegaram a migrar e passaram todo o inverno em áreas próximas a sua terra natal, ao redor de Tashkent.

Ainda que tenham sido registradas aves que ficaram na Península Ibérica se alimentando majoritariamente de resíduos encontrados em aterros, todas as cegonhas espanholas observadas migraram até o Sahel. O impacto causado pelo lixo acumulado na atividade migratória foi mais evidente entre as aves do sudoeste alemão, sendo que quatro dos cinco espécimes rastreados sobreviveram se alimentando do conteúdo dos depósitos do Marrocos em vez de migrar para o Sahel. A hipótese mais provável para explicar a permanência dos pássaros no Uzbequistão é a presença de criadouros de peixes, onde as aves encontrariam alimento em abundância.

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O estudo, publicado na revista Science Advances, conclui que a disponibilidade de grandes acúmulos de resíduos ao ar livre aumenta a população de aves e também permite que elas gastem menos energia diariamente. Ainda assim, os depósitos e aterros não são fontes seguras de alimento para esses pássaros, pois restos de comida se misturam a materiais tóxicos.

O impacto humano a longo prazo no desenvolvimento dessas aves ainda é incerto e não é possível saber se o risco de comer um bilhete ou um pote de iogurte se sobrepõe aos benefícios para a saúde e sobrevivência das cegonhas. Entre os possíveis efeitos da mudança de rota dessas aves estão a superpopulação de insetos nos lugares longínquos para onde elas se dirigiam, mas ainda é cedo para saber se gafanhotos fora de controle estarão entre os desequilíbrios causados por humanos do Marrocos no Sul da África.