O que é? São Paulo é uma cidade com muito cinza e algumas ilhas verdes. Camila Montagner conta a história de uma dessas pessoas que se esforçam, diariamente, para monitorar e cuidar das árvores paulistanas. Conheça Ricardo e, se puder e quiser, o procure para fazer coisas juntos. Árvores como a Figueira das Lágrimas vão ficar bem felizes 🙂
De dentista a botânico
Ricardo é um paulistano que cuida do que restou das lembranças vivas que a cidade tem do seu passado: a vegetação nativa. Ex-dentista que deixou a profissão para se tornar mestre em botânica, ele hoje tem uma empresa que instala telhados verdes e desde 2008 se dedica a pesquisar e contar as histórias das árvores de São Paulo.
O carinho que Ricardo tem pelo verde da paisagem paulistana está presente em cada postagem do seu blog, o Árvores de São Paulo. A indignação toma conta cada vez que uma árvore é derrubada, tem a área ao seu redor impermeabilizada ou acaba vitimada pela falta de manutenção. As espécies preservadas nos parques, a resistência das árvores do espaço urbano e os encontros com exemplares raros são sempre celebrados com entusiasmo.
Estamos em agosto, época do barulhinho bom que as sibipirunas fazem quando as bolsas de sementes se abrem liberando o seu conteúdo na cabeça do pedestre desavisado. Em outubro vai fazer dois anos que o Metrô deu um fim à vida de uma falsa-seringueira gigante que há mais de 60 anos preenchia de verde a avenida Santo Amaro com a sua copa volumosa.
Poluição, mudanças repentinas de temperatura e escassez de chuvas fazem com que a vida das árvores da cidade seja complicada, mas nem por isso menos interessante. A maior ameaça, que é o desmatamento, também conta uma história: a da expansão insustentável que faz o verde rarear na paisagem.
Foi para contar essas histórias que surgiu o grupo Amigos das Árvores, que tinha a intenção de se tornar uma organização não-governamental. A ONG acabou não vingando por causa da burocracia, mas eles resolveram usar a internet para reunir as pessoas envolvidas com a preservação da vegetação urbana.
A iniciativa começou com cerca de 30 pessoas em 2008 e hoje depende totalmente de Ricardo, que responde sozinho pelo blog. A página possui mais de 1500 acessos diários e o botânico também fala com os ouvintes do programa Metrópole, da Rádio Estadão, duas vezes por semana.
A maior preocupação de Ricardo é preservar o que restou da vegetação nativa e também trazer essas espécies de volta para a paisagem paulistana. Ele conta que 80% das árvores adultas da cidade não são de espécies nativas. Tem pata-de-vaca de Hong-Kong, pau-formiga da Amazônia, abacateiros do México, palmeiras-seafórtia da Austrália, entre outras tantas.
“A mata atlântica agora depende dos paulistanos para começar a ressurgir, a cidade precisa convidá-la de volta para cá”
Ricardo Cardim
Em 2009 ele começou a pesquisar e defender a preservação das áreas de cerrado remanescentes em São Paulo e, desde então, três reservas para conservar essa vegetação foram criadas no município. Outro projeto para promover o compartilhamento de conteúdo sobre as árvores mais antigas da cidade, o Veteranas de Guerra, foi realizado em parceria com a SOS Mata Atlântica em 2012. A pesquisa de Ricardo – que identificou os espécimes com a ajuda de fotografias antigas – serviu como base para a campanha de conservação na qual é possível localizá-los no mapa, condecorá-los com medalhas de reconhecimento e compartilhar as suas histórias nas redes.
“A gente só preserva o que a gente conhece”
Ricardo Cardim
No último dia 15 de agosto, um leilão arrecadou 30 mil reais para a restauração e clonagem do mais antigo ser vivo documentado de São Paulo, a Figueira das Lágrimas, que fica na zona sul de São Paulo. A árvore é conhecida por esse nome porque sua copa abrigava as despedidas dos viajantes que iam para o litoral. O evento, que foi parte da programação do Design Weekend, é resultado de uma parceria entre Ricardo, Hugo França, autor da obra leiloada, e Lauro Andrade, organizador do festival de arte e decoração.
Ricardo lamenta que árvores antigas, como a Figueira das Lágrimas, estejam abandonadas à própria sorte e diz que alguém precisa cuidar delas. Entre elas estão o chichá do Largo do Arouche, a paineira da biblioteca Mário de Andrade, o jequitibá-branco do Parque Trianon. Ele ainda não tem planos para a restauração das outras “veteranas” e diz que faz o que “acredita que é possível”.
O espécime beneficiado pelo leilão tem aproximadamente 200 anos e começará em breve a receber manutenção. Arrumar o muro no entorno da árvore e colocar uma placa com as informações corretas (já há uma que a identifica erradamente) seriam as próximas etapas. Em seguida, a figueira será clonada e terá suas mudas reproduzidas em outros cantos da cidade, perpetuando sua história.
É um pequeno passo para uma cidade, mas um grande passo para um marco histórico, e verde, de São Paulo.