O pé quer pisar, dá até uma certa cãibra mantê-lo erguido, longe do pedal do acelerador. O resto do corpo também quer que o pé aja. É instintivo: a rua está ali, com espaço disponível para seu carro aumentar a velocidade sem representar grandes riscos e é preciso chegar mais rápido a seu destino porque… porque… bem, porque você vive em São Paulo e não quer perder tempo para nada. É um papo de motorista para motorista, e sei que respeitar o limite de 50 km/h nas Marginais não é apenas uma questão de querer ou não, algumas vezes é um pequeno sacrifício físico-psicológico.
Esse desconforto ao guiar alimenta a insatisfação com os novos limites de velocidades impostos pela prefeitura de São Paulo em boa parte das vias da cidade. Algo que pode ficar ainda maior a partir desta semana, quando foi implementada a primeira Área 30, uma região de 1 km² no bairro da Lapa com limite de 30 km/h.
Há bons argumentos para defender a redução da velocidade dos carros nas cidades. Veículos mais lentos tendem a causar menos acidentes e, quando eles ocorrerem, serão menos danosos a pedestres, motoristas, ciclistas e até aos próprios carros. Além disso, carros em ritmos parecidos tendem a se acomodar com mais facilidade nas vias, diminuindo a ocorrência de freadas e mudanças de faixa bruscas que acabam contribuindo para atrapalhar o fluxo nas grandes avenidas.
A placa e a ameaça de multa até servem como elemento para convencer os motoristas a andarem mais devagar. A conscientização dos benefícios da medida também. Mas essas medidas não ajudam a diminuir o desconforto do condutor, aquela vontade quase primitiva de acelerar mais um pouco. E isso vale para uma pessoa comum, não apenas para os apressados incuráveis que se acham Ayrton Senna e veem em uma rua de bairro a reta dos boxes de Interlagos.
O ponto-chave para que São Paulo realmente se torne uma cidade com tráfego em ritmo controlado não é a determinação do limite, mas conseguir mudar a atitude das pessoas durante sua locomoção. Os paulistanos foram educados por gerações a serem agressivos no trânsito e a encararem o carro como modo de chegar mais rápido a seu destino.
Essa cultura que precisa mudar, e isso só será possível se os proprietários de carros tiverem boa vontade em entender que o mundo mudou e talvez valha a pena andar mais devagar. Mas é preciso também que as autoridades e os não motoristas mostrem que entendem a cabeça do motorista e falem sua língua para estabelecer um diálogo saudável.
Se um lado tiver disposição para conversar com o outro, é possível fazer que a prioridade do transporte, mesmo do transporte individual motorizado, seja conforto, segurança e a chegada ao destino, e não a velocidade desse deslocamento.