O que? A maior cidade do Brasil não tem uma relação das mais saudáveis com o meio ambiente. Sua paisagem cinza, artificial e poluída parece expulsar a natureza, mas já tem gente provando que é possível cultivar vegetais saborosos e frutas suculentas no meio de tanto concreto. É o que faz o Movimento Urbano de Agroecologia (Muda SP), criado para fazer de São Paulo uma cidade que tem uma relação mais próxima com o campo, reduzindo os custos de transporte para que o alimento fresco chegue à mesa dos paulistanos.
Terra boa da garoa
Há uma relação direta entre o o sabor da comida e o quão fresca ela é. É até meio instintivo, pois a comida envelhecida fica murcha, sem cor e com gosto mais pálido. Isso é um problema quando se vive em uma metrópole, que teve sua área tomada por construções e expulsou para o interior a produção de alimentos. O resultado disso é que a comida que chega aos mercados teve de vir de longe, perdendo tempo no transporte ou encarecendo na busca de uma via expressa. Mas é possível mudar essa dinâmica.
O Muda SP surgiu com a ideia disseminar uma nova maneira de a cidade se relacionar entre com o campo. Foi durante um evento em 2013 que reuniu diversas organizações para palestras, oficinas, mutirões, degustação, feiras e premiação de agricultores que produzem alimentos agroecológicos.
A produção agroecológica é livre de agrotóxicos, mas além de ser orgânica, também envolve uma preocupação com o bem-estar do agricultor, princípios da economia solidária e a distribuição nos mercados locais. Segundo André Biazoti, 27 anos (os últimos cinco na capital paulista) e integrante do Muda, as hortas que surgem na cidade são resultado da troca de experiências entre pessoas que se organizam espontaneamente para cultivar as plantas.
O Muda funciona como um incentivador e também tira dúvidas dos habitantes que desejam começar uma horta ou encontrar produtos orgânicos para comprar. O grupo se mantém com parcerias, como a do Shopping Villa Lobos, onde é realizada a Feira Orgânica, venda de produtos, organização de eventos, congressos e realização de projetos com financiamento coletivo. Além disso, a iniciativa também recebe dinheiro público de editais e emenda parlamentar.
Verdinhas paulistanas
Para organizar a demanda por informação, ferramentas e terrenos, o Muda criou o Cidades Comestíveis, uma rede para juntar a vontade de botar a mão na terra com os recursos disponíveis para o plantio. Lançada em julho, a rede recebe cadastros de hortas existentes, insumos, pessoas com conhecimento sobre agricultura urbana para ajudar com orientações, gente disposta a trabalhar, ferramentas para empréstimo e áreas que poderiam ser cultivadas.
A ideia nasceu no grupo Hortelões Urbanos, que reúne 23.651 membros no Facebook, muitos deles dispostos a começar uma horta do zero. O Cidades Comestíveis foi pensado para facilitar o surgimento de novas hortas comunitárias nas cidades, indicando em um só lugar a disponibilidade dos recursos que necessários para o cultivo das plantas. Em São Paulo, há cinco espaços onde o cultivo já está em andamento e oito espaços marcados como possíveis áreas para começar uma horta.
Para conversar com um fornecedor de recursos é preciso se cadastrar no site. Quando é aberta a janela de contato para falar com uma pessoa que se oferece para ajudar, a recomendação é contar exatamente que tipo de trabalho você precisa que ela faça e oferecer algo em troca, como um lanche ou um alimento fresco da própria horta. Uma vez iniciada a conversa, a mensagem vai diretamente para a caixa de e-mail do usuário, onde o papo pode continuar.
A plataforma é um local de mapeamento e articulação, mas depende das pessoas interagirem e formarem grupos para iniciar uma horta.
André Biazoti
Biazoti é uma das pessoas com conhecimento em cultivo de plantas no espaço urbano que se ofereceram para ajudar e conta que foi procurado por um usuário que desejava começar uma horta dentro do seu condomínio. Ele diz que o Muda tem planos de se reunir com funcionários da prefeitura para tentar fazer do Cidades Comestíveis o espaço de mapeamento oficial de terrenos.
Uma lei municipal de 2004 criou o Programa de Agricultura Urbana e Periurbana (Proaurp) para incentivar o comércio e a produção agroecológica em São Paulo. O Departamento de Agricultura da Coordenadoria de Segurança Alimentar e Nutricional, que funciona dentro da Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo possui atualmente conta com sete agrônomos, dois gestores ambientais e dois agentes de apoio administrativos para acompanhar os produtores. Cerca de 40 agricultores proprietários ou parceiros de imóveis rurais e mais de 20 na área urbana.
Essas pessoas estão recebendo orientação sobre requisitos legais e os procedimentos para adaptação ambiental e instruções para o cultivo das plantas. O programa, no entanto, é voltado para a geração de renda e postos de trabalho, cabendo à Secretaria do Verde e do Meio Ambiente oferecer o auxílio necessário às hortas urbanas localizadas em praças públicas, por exemplo. Essas áreas de cultivo foram regulamentadas em junho desse ano pela mesma lei que prevê a criação de conselhos participativos para gestão das praças públicas.
A falta de ações integradas coordenadas pelos setores públicos envolvidos (repare que o Departamento de Agricultura nem foi mencionado) para promover a produção agroecológica é apontada por Biazoti como um dos problemas do programa, assim como a falta de assistência para hortas comunitárias.
Uma das funções do Cidades Comestíveis é justamente ampliar o acesso aos recursos ajudando a articular as pessoas interessadas para elas possam trabalhar juntas. Aumentar a autonomia alimentar da cidade, diminuindo a distância entre o lugar de plantio e o de consumo, pode mudar a nossa relação com aquilo que consumimos nas nossas mesas e fazer do espaço urbano um lugar mais sustentável. Ainda há muito o que desbravar quando o assunto é a viabilização das hortas urbanas, mas a vontade de colaborar é uma semente que precisa ser cultivada para que a produção urbana possa crescer.