O que é? Quando tudo o que você precisa saber é qual a linha que você precisa pegar e em que estação descer, 99,9% das informações normalmente presentes em um mapa são totalmente dispensáveis. Foi essa a ideia que inspirou Harry Beck a desenhar, em 1931, o mapa do metrô de Londres  como o conhecemos hoje. Esse desenho serviu de modelo para mapear linhas do mundo todo, mas a versão atualizada recentemente lançada parece que foi feita justamente para contrariar os princípios de legibilidade e simplicidade que tornaram célebres seus traços originais.

Redesenhando a linha do trem

Mapas foram criados para orientar as pessoas dentro de um local. Normalmente, quanto mais fiel o desenho for ao espaço, com escala e descrição das características geográficas, melhor. Mas nem sempre é assim. Enxugar informações pode ser o melhor, o que provou um inglês que estabeleceu o padrão de um dos ícones de boa parte das metrópoles mundiais: o mapa do metrô.

A extensa malha de metrô é uma das qualidades mais exaltadas de Londres, mas conforme a área de cobertura se estendia, mais problemas seus usuários enfrentavam para descobrir qual das linhas desse grande emaranhado eles deveriam pegar. Em 1908, a prefeitura elaborou um mapa da rede se sobrepondo ao da cidade. Foi um avanço, mas era difícil um usuário do metrô encontrar a estação de destino e visualizar as eventuais baldeações no meio de tantos elementos.

Em 1931, mesmo sem ser requisitado, Harry Beck, um relator de engenharia do escritório de sinalização do metrô, começou a desenhar um novo mapa para substituir essa confusão cartográfica no seu tempo livre. Seu desenho era revolucionário principalmente porque deixou de fora as curvas, trocando-as por ângulos de 90 e 45 graus. As estações que tinham possibilidade de troca de linhas eram marcadas por um losango branco, as comuns eram apenas uma linha. No entanto, a alteração mais polêmica feita por ele foi colocar paradas na mesma distância umas das outras.

Mapa do metrô de 1909 (esquerda) e a versão de Harry Beck, de 1931

Mapa do metrô de 1909 (esquerda) e a versão de Harry Beck, de 1931

Beck teve uma grande sacada. Debaixo da terra, importa pouco o que está na superfície. O metrô era um universo próprio, em que a única informação realmente necessária ao usuário era quais são as próximas estações e que linhas ele terá de pegar para chegar ao local que deseja. A distância não é medida por metros ou quilômetros, mas por estações. Pontos de referência até ajudam, mas são dispensáveis. A inspiração eram desenhos de circuitos elétricos com o qual ele tinha de lidar no seu trabalho.

Planejadores de tráfego acharam que a falha em representar as distâncias reais entre as estações faria o mapa ficar confuso demais para os usuários. De qualquer forma, um panfleto foi impresso para distribuir em algumas estações como experiência. A aceitação foi tão grande que se estabeleceu como a oficial, e Beck se tornou o responsável por desenhar quase todas as versões do mapa do metrô londrino até 1960.

A genial simplicidade do esquema virou uim símbolo de Londres. Em 2006, o Museu do Design Britânico e a BBC organizaram um concurso para eleger a maior obra de design do Reino Unido desde 1900. O mapa de Beck ficou em segundo lugar, ficando à frente até do Spitfire (caça da Segunda Guerra Mundial). Perdeu apenas para o Concorde (que, cá entre nós, é um vencedor meio suspeito porque o projeto foi feito em parceria com a França).

Harry Beck e seu mapa do metrô

Harry Beck e seu mapa do metrô

Os princípios adotados por Beck inspiraram outras cidades. Desde então, a maior parte dos mapas de redes de metrô seguem um esquema similar ao inglês e se tornaram referências rápidas e práticas de como se deslocar em grandes cidades, onde o excesso de informação pode confundir. Uma exceção é Nova York, onde os usuários não se adaptaram a uma versão derivada feita em 1976. A versão usada hoje é a geograficamente correta que substituiu a simplificada no ano de 1979.

Novos traços da discórdia

Um mapa que mostra as distâncias reais entre as estações foi recentemente liberado pela Transport for London em resposta a um requerimento feito pelo equivalente inglês da nossa lei de acesso à informação. Ele é geograficamente preciso e, como era de se esperar, desorientador. A extensão das linhas é uma das informações importantes deixadas de fora que, uma vez incluídas, tornam o mapa difícil de entender.

Uma versão atualizada do mapa também foi lançada esse ano, com as rotas dos trilhos sobre a superfície adicionados em tons de laranja. Uma das reclamações é que as cores dessas linhas prejudica a legibilidade do desenho. Também há indicações de serviços que fogem ao estritamente necessário, como a localização dos teleféricos Emirates Air Line.

A história mostra que a aceitação de modificações nos mapas que são usados cotidianamente para orientar os usuários é um processo lento.  Leva um tempo para que um objeto tão reconhecível e habitual quanto o mapa do metrô de Londres deixe de ser o guia dos usuários para que as novas orientações trazidas na versão atualizada possam começar a fazer parte do dia dia londrino.