É difícil conversar sobre esse assunto, pois há questões culturais nisso. Para as pessoas “comuns”, aquelas que trabalham e fazem suas coisas na vida, mendigo / sem teto são “parasitas” (isso caberia no post do SP Invisível na verdade).

Se o governo ofertar moradia para sem teto de forma gratuita e sem regras, boa parte da “opinião pública” vai atacar tal atitude, dizendo que é “incentivar a mendicância”. Analisemos por exemplo o caso dos mendigos que vão para albergues. A regra geral para usar um albergue público é estar asseado (limpo). Ou o caso da tentativa de pegar as pessoas da cracolândia e colocarem em hotéis da região, sendo que os viciados acabaram quebrando muitos dos prédios…

Além também do fato da questão de “valor” e de o que um sem teto faria com um lugar ofertado para ele. Quantas pessoas agiriam de boa-fé e quantas dariam um golpe no governo, vendendo o espaço ou burlando as regras?

Ajudar um sem teto realmente ajudaria a sociedade em um todo? Será que o ex-sem teto viraria algo contribuinte a sociedade?

Em tempos: salvo engano, existe uma lei no Brasil (acho que foi revogada) que proíbia a mendicância no país.

No papel, é muito fácil criar uma lei que siga o “bom senso”. Ou melhor, talvez seja mais apropriado dizer “senso humanitário”, já que existem pessoas que acham que dar uma oportunidade para os pobres não é bom senso.

Desenhar uma política de não abandono e que considera os moradores de rua (pobres, mendigos, etc) como seres humanos (algo que parece impossível para algumas pessoas) não é complicado. O maior problema é a aprovação em todas as esferas pertinentes.

Como a população vai reagir? No caso dos EUA, onde a visão protestante é bem enraizada, as reações provavelmente seriam bem negativas. Por mais desumano e ilógico que possa parecer ser contra esse tipo de medida, humanidade e lógica não são conceitos únicos e objetivos que todos usam da mesma forma.
Mas não só lá. Mesmo aqui no Brasil, onde tem tanta gente que é contra o Bolsa Família, uma política dessas provavelmente seria mal vista.
“Gastar imposto para ajudar um pessoal que sequer se ajuda e só quer vagabundear? Governo comunista!”

Falar que é mais barato tomar essa atitude humana do que a atitude desumana nem sempre é o suficiente para convencer as pessoas. Quanto tempo demora para a atitude humana gerar frutos? 4anos? 5 anos? 10 anos? Esse é um tempo maior do que um mandato na política.

Quanto tempo demora para a atitude desumana gerar frutos? 1 mês? 6 meses?
Seres humanos não são muto bons em pensar no longo prazo então não me supreende que a opção da maioria das políticas seja a de tentar varrer a sujeira para debaixo do tapete. Pode ser mais caro e não resolver o problema a longo prazo, mas infelizmente os efeitos imediatos são bem mais evidentes.

Muita das críticas se baseiam no pressuposto de que cada um está na situação que merece.
“Eu tenho dinheiro porque trabalhei. Eu tenho minha casa porque batalhei para comprar. Ele está na rua drogado porque é um vagabundo. Ele está desempregado porque não se esforça o suficiente.”
Esse pressuposto é problemático porque é muito fácil pintá-lo como verdadeiro, ainda mais quando você sai do lado pobre para o próspero (a là Silvio Santos nas devidas proporções) porque você se vê como um exemplo. O que é ridículo porque se usar como padrão para avaliar o mundo vai gerar resultados viesados.
Mas as pessoas fazem. E esse é um problema para a aceitação de políticas sociais de longo prazo.
É interessante você tocar na questão da segurança. No caso da política de reabilitação dos viciados, me parece que um dos problemas é a falta de capacitação dos agentes envolvidos na linha de frente (os que tem contato direto com os viciados) e talvez esse tenha sido um problema na hora de lidar com a segurança. Você pode/deve tratar viciados violentos simplesmente como bandidos, mandando os policiais descerem o porrete em cima? Você pode/deve manter um policiamento constante?
Eu diria que, nesse caso, ter um policiamento constante (não necessariamente pela polícia) seria uma solução, mas a dificuldade de implementá-la são os custos. Você precisa capacitar gente para saber lidar com e conseguir estar em contato constante com os viciados e não é só capacitar um ou dois, então o custo fala. Você precisa de um pessoal que consiga se relacionar com os viciados como se fossem gente e não a escória da sociedade que tenta se passar por gente.
E esse é um ponto que vale para a questão do post. Conseguir ver os sem-teto como gente e entender que nem todos estão nessa situação porque querem. Muitos acham que não adianta ajudar porque eles vão voltar a se viciar ou largar tudo e voltar a morar na rua, o que prova que eles escolhem a sua situação, mas se esquecem os efeitos psicológicos que tanto as drogas quanto o ostracismo social dentro da própria sociedade podem causar. Então nesses projetos de ajuda de longo prazo tanto a viciados quanto a sem-tetos, ter uma orientação e acompanhamento psicológico seria bem interessante.

Claro que todas as generalizações são problemáticas.

Nem todos estão na rua porque foram despejados pelo sistema. Existem os que estão lá por escolha própria mesmo, seja por ser mais conveniente, por ser a melhor opção que tinha ou quaquer outro motivo que o levou, de maneira ativa, a viver nas ruas.

Esses são casos onde as políticas sociais precisam ver com mais cuidado. Mesmo uma aproximação “mais humana” que eu comentei pode ser problemática se for forçada. Achar que todos que estão nas ruas são coitados que precisam de um mesmo tipo de ajuda (casa, comida, roupa lavada e qualificação para trabalhar) pode ser o motivo que leva alguns dos que recebem ajuda a se rebelarem. Nos exemplos que você citou, de gente que cometeu crimes e foi para as ruas se esconder por exemplo, não vejo como sendo função de uma assistência social lidar diretamente. O trabalho da assistência, aqui, seria em conjunto com o sistema judicial. O indivíduo paga pelos crimes na cadeia enquanto a assistência tenta reabilitá-lo.

Nos casos de pessoas que vão para as ruas por problemas econômicos/sociais, daí sim a assistência social teria um papel mais direto. No caso do econômico (dívidas), seria trabalhando com o indivíduo para que ele consiga retornar ao mercado. Social, seria fazer um trabalho mais psicológico. Se é uma questão cultural/ideológico, a aproximação é mais complicada e eu nem sei como seria interessante.

E o argumento do livre arbítrio é perigoso porque muitas vezes desconsidera parcial ou totalmente o ambiente onde as pessoas são inseridas. Por que o indivíduo resolveu cometer um crime ao invés de seguir o caminho do Silvio Santos? Podem existir inúmeras razões. Procurou emprego por 5 anos, não conseguiu nada e a solução mais viável parecia ser o crime. “Ah, ele deveria ter se qualificado mais!” Mas sabemos se ele tinha condições? Talvez ele tenha se qualificado, mas não tenha dado resultados. Pode ser que ele tenha se qualificado num momento onde a economia estava fraca e quando voltou, sua qualificação extra já não era tão pertinente e ele não tinha mais condições de se reciclar novamente. Ou então ele escolheu uma requalificação errada. Ou pode ser que ele simplesmente viu o crime como o caminho mais rápido para ganhar dinheiro ou o caminho com o melhor custo-benefício (seja porque ele vive em um ambiente onde isso parece ser a verdade, seja porque é preguiçoso, sei lá).

“Ah, mas tem o pessoal que vem de família rica e comete crime também!” Sim, nesses casos também, argumentar com o livre arbítrio pode ocultar variáveis importantes, sendo o mais importante o ambiente o indivíduo cresceu.

Sim, o mundo é cruel. E é também um cego seletivo, o que ajuda muito em sua crueldade.

Um comentário que li no Youtube se encaixa bem aqui:

“I’ve often despaired at how consequentialist society is. They never
really seem to care about the things that led up to a result. They only
care about the result itself. There always has to be a person to
blame, apparently.”
“Eu já me desesperei muito sobre como a sociedade é consequencialista. Ela parece nunca se importar com as coisas que levaram ao resultado. Ela só se importa com o resultado final. Parece que é sempre necessário ter uma pessoa para culpar.”
A sociedade é assim, por bem ou por mal.