Promover conexões e transformações a partir da relação das crianças com os espaços públicos, criando soluções e linguagem visual que respeitem a forma dos pequenos verem sua cidade. Essa é a proposta do CriaCidade, projeto que trabalha na comunidade do Glicério (bairro no Centro de São Paulo) desde 2013 e que se prepara para expandir para outras regiões da capital paulista e até Recife.

O primeiro passo de cada trabalho é a comunicação com a criança e saber como conseguir as informações e impressões reais. “Não dá para sair fazendo um monte de pergunta. Começamos, por exemplo, com uma brincadeira: tem um foguete e as crianças viajam para uma cidade que vai ser criada por elas. Recebem lupas para investigar a área e aí percebemos a linguagem corporal, como a criança se move no lugar”, explica a fundadora da iniciativa, conta Nayana Brettas.

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A iniciativa nasceu em 2013 e, desde o ano seguinte, passou a contar com um patrocínio da United Way Brasil. Foi assim que sua atuação na capital paulista começou, com quatro creches. No ano seguinte, ela foi convidada para participar do programa São Paulo Carinhosa, e desenvolveu o projeto Escuta Glicério, em parceria com os alunos da Faculdade Belas Artes. Uma proposta para a reforma de uma pensão e uma praça foi enviada à prefeitura, mas a administração municipal ainda não tirou do papel.

Mapa com o roteiro criado no bairro do Glicério (Divulgação)

Mapa com o roteiro criado no bairro do Glicério F(Divulgação)

Nayana procurou a Fundação Bernard Van Leer, que trabalha com iniciativas votadas para a infância, com planos para atuar em escolas, unidades básicas de saúde, comércio, assim como em vias e praças. Os desdobramentos do Escuta Glicério envolvem três linhas de atuação: a ressignificação do espaço público, formação dos mediadores para trabalhar com as crianças e mobilização de uma rede intersetorial.

“É preciso entender que o conhecimento da criança não é inferior, mas diferente, para incluir o olhar dela no processo de transformação e construção dos espaços públicos. Assim conseguimos atuar com os mediadores – sejam eles da saúde ou educação e outros setores”, conta Nayana. O ponto de partida foram as moradias, que foram grafitados e tiveram bibliotecas organizadas pelo CriaCidade em ambientes internos. Como os espaços eram muito pequenos e não havia lugar para as crianças brincarem, o projeto passou a encarar as ruas sem saída abundantes ali como potenciais locais de brincadeira.

Um levantamento de onde as crianças estudavam resultou no envolvimento de três escolas públicas em uma etapa inicial, de criação de vínculos que se estendeu pelo primeiro ano do projeto. Os alunos das escolas passaram a se encontrar para a realização do cortejo de maracatu, do qual mais de 450 estudantes participam. Atualmente o cortejo passou por mudanças propostas e implantadas pelas próprias escolas, que dividiram as salas em grupos menores e fizeram mudanças de percurso, introduzindo pontos de parada no roteiro. Os espaços transformados no bairro estão sendo usados também para contação de histórias e aulas públicas do Centro de Educação Infantil Indireta Quintal da Criança, das escolas Alberto de Oliveira e Duque de Caxias, além das atividades culturais do coletivo Glicério pela Vida.

Em 2015 também foi realizado o mapeamento afetivo no qual foram identificados os três pontos por onde passaria a narrativa criada pelas próprias crianças. A rua Sinimbu recebeu os personagens que as crianças criaram e também seus meios de transporte, que conversam com a arquitetura local (uma das casas virou um castelo). Também foi instalado mobiliário urbano que foge dos padrões de parquinhos encontrados em praças, que possuem uma área separada para crianças, priorizando a integração delas com a comunidade. Os outros dois locais que receberam intervenções foram a escola Duque de Caxias e a rua Anita Ferraz. As paredes foram pintadas com a participação de mais de 100 grafiteiros do Art in Home que trabalharam a partir das ideias das crianças e contaram com elas para dar uma cara nova às paredes e ruas.

O roteiro entre os três pontos possui sinalização na altura das crianças para que elas mesmas se guiem. As próximas atividades previstas no Glicério é fazer um planejamento urbano da região com crianças criando propostas urbanísticas que serão levadas à prefeitura. O bairro serviu como laboratório para o CriaCidade testar várias abordagens, que serão sistematizadas em um relatório a respeito das intervenções – a parte do projeto batizada de Cidade que Brinca – até o fim do ano e outro documento mais geral sobre o que foi realizado ali. A partir de 10 de outubro a estação da Sé recebe a exposição Cidade que Brinca, e um documentário parcialmente filmado pelos alunos das escolas participantes será lançado em novembro. A longo prazo, além de continuar trabalhando com as crianças do bairro, há a previsão de formação de mais oito núcleos em outras regiões de São Paulo e um no Recife, em parceria com as prefeituras.