O que? Depois de passar o dia anterior pedalando por São Paulo, o especialista em mobilidade, Ricardo Montezuma, esteve no lançamento do aplicativo SP Sem Carro na última quarta-feira e falou sobre como as cidades podem se tornar lugares mais humanos. Também participaram do evento Ana Odila de Paiva Souza, diretora de planejamento da SP Trans, Ivan Whately, diretor do Departamento de Mobilidade e Logística do Instituto de Engenharia, Luiz Carlos Mantovani Néspoli, diretor da Associação Nacional de Transporte Público, José Ignácio Sequeira de Almeida da Associação Brasileira de Pedestres e Daniel Guth, presidente da Associação Ciclocidade. Como representantes de empresas operadoras e usuários de diferentes meios de transporte estavam presentes, temas importantes, entre eles as integrações possíveis dos modais foram abordados.

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Cidades caminháveis são cidades melhores

Temos muito o que contar sobre essa discussão e os pontos de vista que cada um dos convidados defendeu e por isso vamos começar hoje uma série de postagens sobre questões de mobilidade que foram levantadas por essas pessoas. Para dar abrir essa discussão, falaremos das ideias desse colombiano que fez parte da equipe da prefeitura de Bogotá responsável pela implantação do Transmilênio, sistema de corredores de ônibus inaugurado nos anos 2000, e atualmente dirige a fundação Ciudad Humana.

O urbanista colombiano Ricardo Montezuma (Mariana Gil/Embarq Brasil)

O urbanista colombiano Ricardo Montezuma (Mariana Gil/Embarq Brasil)

Violência no trânsito

“O melhor transporte é aquele que permite chegar até o seu destino de um modo cômodo e seguro. As passarelas não foram feitas para que as travessias de pedestres sejam mais seguras, e sim para não interromper o fluxo de carros. E é importante entender como isso funciona. Uma das cenas mais tristes que vi foi em Amsterdã, quando vi duas senhoras se fechando e se tocando em uma ciclovia. Por que elas brigavam? A violência no trânsito é por espaço, e essa briga por espaço sempre está ligada à vontade da pessoa de ter campo para trafegar com mais velocidade. Qualquer que seja o veículo, as pessoas brigam no trânsito porque querem ir mais rápido e acham que o outro atrapalha. Por isso, reduzir a velocidade e o fluxo de carros é uma ótima estratégia para melhorar a segurança no trânsito. Em Bogotá morrem aproximadamente 600 pessoas no trânsito todos os anos e há 15 anos esse número se mantém estável. Metade dessas pessoas são pedestres e, entre esses pedestres, cem são idosos. Uma das causas mais importantes para articular entre as organizações que defendem a mobilidade a pé é a redução da violência no trânsito. E isso começa até nas pequenas coisas. Os países que mais avançaram nessa área foram os que acabaram com seus Códigos Nacionais de Trânsito para adotarem por códigos de mobilidade.”

BRT

“Os corredores de ônibus do Brasil eram o sonho de toda a América Latina nos anos 60 e 70, era onde os outros países buscavam referência. Curitiba foi uma grande inspiração e São Paulo foi onde a discussão sobre o BRT  (ônibus de tráfego rápido) teve início. Bogotá implementou seu sistema BRT há 15 anos e nessa época já havia internet, o que fez com que ele tivesse repercussão global.”

Cada vez que o transporte público melhora, o cidadão passa a esperar um pouco mais dele

Ricardo Montezuma

Pedestrianismo

“Priorizar os pedestres é uma das formas mais efetivas de humanizar as cidades. Os pedestres se tornaram importantes nos últimos 20 anos. Em Manhattan houve modificações espetaculares para facilitar a mobilidade a pé. Na América Latina nós fizemos várias políticas para melhorar transporte público, mas não melhoramos o espaço público. Ainda é algo novo isso. Veja que não existe nenhuma cadeira para ensinar engenharia de pedestres nas faculdades de engenharia. As calçadas precisam ter alternativas comerciais, algo para facilitar a convivência com o clima local e bancos, que são onde os pedestres ‘estacionam’.”

O pedestre é uma abstração do ato de caminhar, uma silhueta negra sobre um fundo amarelo. Quem caminha somos nós de carne e osso

Ricardo Montezuma

Quem é você no tráfego

Correndo o risco de ser repetitivo, aqui vai o lembrete de que motoristas, motociclistas, ciclistas, passageiros de transporte público e, claro, os pedestres, são seres humanos. As cidades são pensadas também por pessoas e, por isso mesmo, podem ser repensadas. Pessoas no transporte público – uma parcela significativa, se não maioria, da população das grandes cidades – são, necessariamente, pedestres antes e depois do embarque.

O código de trânsito dá prioridade ao pedestre, mas os semáforos não dão e as passarelas idem. Quem está a pé não se sente contemplado com a prioridade, e por isso a mobilização dos pedestres é tão importante, ainda que recente, como lembrou Montezuma. Ele admite que o próprio Transmilênio hoje precisa ser revisto porque não há espaço suficiente nas áreas de embarque e as faixas de pedestres próximas não comportam o fluxo intenso nas áreas por onde passam os corredores. Muito do que ele diz explica porque parece que estamos sempre a um passo de ter cidades mais humanas, que se não existissem tantos obstáculos hostis bastaria que nos deixássemos levar pelo impulso instintivo de seguir em frente.