O que é? São Paulo prepara-se para receber mais uma edição do Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1. Trata-se do maior evento esportivo anual da cidade, responsável por atrair milhares de turistas de outras regiões brasileiras e até de outros países. Esses números são usados para justificar o alto investimento da prefeitura em Interlagos, mas essa realidade é muito específica à capital paulista. Cada vez mais, os autódromos sofrem para sobreviver nas metrópoles.
O mercado expulsa as corridas de carro
São milhões e milhões, parece que a cada ano é mais. A prefeitura de São Paulo está sempre investindo em melhorias no Autódromo de Interlagos. A última, que teve início em 2014 e só será finalizada para o GP do Brasil de Fórmula 1 de 2016, custará R$ 144 milhões e deixará a boxes, área de imprensa e paddock completamente novos, com estrutura compatível com as exigências atuais da categoria. Mas, vale a pena gastar tanto dinheiro em um circuito?
De certa forma, vale. Mas vale só porque esses gastos mantêm a F1 na capital paulista. Todo ano, os diferentes prefeitos divulgaram números e mais números que mostrariam quão importante a categoria é para a cidade. De fato, milhares de turistas de outras regiões do Brasil e do exterior viajam a São Paulo para ver o GP do Brasil. O impacto nos hotéis e restaurantes da região da Avenida Paulista/Jardins e na Zona Sul em geral é palpável.
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A conta pode até mudar um pouco e, em anos em que as intervenções exigidas são maiores (como nesse período 2014-16), não fechar, mas, no geral, ainda é importante para a cidade manter a corrida como forma de divulgação da cidade e movimentação da indústria do turismo. Até porque os paulistas perderam muito espaço para o Rio de Janeiro na rota dos eventos esportivos internacionais, principalmente por causa dos investimentos ligados aos Jogos Olímpicos de 2016.
Claro que a realização da F1 não é a única responsável pelo retorno do investimento. Interlagos também se viabiliza porque sua tradição e a força econômica de São Paulo movimentam o espaço, seja com corridas de categorias nacionais e regionais, cursos de pilotagem, festivais de música ou como parque público. Além disso, criou um comércio voltado ao automobilismo em torno do circuito, com lojas de equipamentos para corrida e de autopeças para carros de competição e escolas de pilotagem. Mas o cenário para outras pistas pelo Brasil é bem diferente. E a tendência é que as cidades acabem os expulsando.
Um autódromo ocupa uma área gigantesca. Interlagos, por exemplo, tem quase 1 milhão de metros quadrados, mais de cinco complexos do Maracanã. Para uma grande cidade, sempre alvo do mercado imobiliário e pela briga por espaço, uma área desse tamanho é preciosa. Para o poder público, é um local que pode ter inúmeras funções com mais interesse social que corridas de carros. Para a iniciativa privada, é um terreno com alto potencial de exploração imobiliária. Há, por exemplo, tem um bairro de alto padrão entre o circuito e a represa de Guarapiranga, e muito investidor adoraria expandir essa região com um grande condomínio.
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Com o automobilismo vivendo um mau momento de popularidade, algo que pode ser visto mais pela dificuldade de sobrevivência das categorias nacionais do que pela audiência da F1 na Globo, é difícil justificar a manutenção de vários desses autódromos em metrópoles. Jacarepaguá foi largado pelo poder público até se transformar no Parque Olímpico do Rio de Janeiro. O autódromo Nélson Piquet, em Brasília, está em péssimo estado e chegou a ser usado como terreno auxiliar do canteiro das obras de reconstrução do estádio Mané Garrincha para a Copa do Mundo de 2014. O autódromo de Curitiba, privado, constantemente emite um comunicado negando especulações de que seria vendido para incorporadoras explorarem seu terreno, em São José dos Pinhais (cidade vizinha à capital paranaense).
Obs.: falo em “queda de popularidade do automobilismo” com pesar. Vejo corridas de carros desde os seis anos (o faço até hoje) e fui editor de um site especializado no tema (o Tazio) por dois anos.
Os autódromos que vivem com menos ameaças a sua existência estão no interior ou em cidades com menos pressão imobiliária, casos de Guaporé, Velopark e Tarumã (todos no RS), Cascavel (PR), Caruaru (PE) e Campo Grande. Londrina é uma exceção, com um autódromo no meio da cidade.
Esse fenômeno não é brasileiro. Na Europa e nos Estados Unidos, a maioria dos autódromos está localizada em cidades pequenas (Hockenheim-ALE, Silverstone-ING, Daytona-EUA, Suzuka-JAP, Spa-Francorchamps-BEL), fora da área conturbada das metrópoles (Homestead/Miami-EUA, Barcelona-ESP) ou dentro de um espaço maior, como um parque urbano (Cidade do México, Montreal-CAN, Melbourne-AUS e Monza-ITA).
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Esse tipo de situação só deve se agravar. O automobilismo como esporte tem perdido popularidade pelo mundo e esse trajeto pode diminuir ainda mais a quantidade de eventos. Com a disputa crescente por espaço, será difícil um circuito privado se viabilizar como negócio e um circuito público se justificar como investimento de interesse social.
Quem gosta e trabalha com automobilismo precisa colocar essa questão na agenda para o futuro. Caso contrário, terá de pegar a estrada da próxima vez que quiser ver uma corrida. Nas grandes cidades, só casos excepcionais como Interlagos se justificarão.