O que é? Ilma Guideroli é fotógrafa e escolheu São Paulo para ser seu lar há quatro anos. Ela decidiu fotografar seu trajeto diário do Sacomã até Cidade Tiradentes, no extremo leste da cidade. Aproveitando fotos feitas de dentro do ônibus durante esse trajeto, ela organizou o livro panorama_lotação, que sobrepõe e funde a paisagem vista da janela com o veículo em movimento.
Uma câmera numa mão, o bilhete único na outra
Todos os dias eram 1h40 entre ônibus, trem, metrô e lotação para chegar até o Centro de Formação Cultural da Cidade Tiradentes, bairro da Zona Leste de São Paulo. Foi lá que a fotógrafa Ilma Guideroli trabalhou em 2014 como artista orientadora de artes visuais. Observar a cidade pela janela de um micro-ônibus nesse longo trajeto lhe deu a ideia de registrar o que via diariamente. E, desse material, surgiu o livro panorama_lotação.
A ideia de publicar os registros que fazia ao longo de seu caminho surgiu com a revelação dos primeiros negativos feitos com sua câmera analógica Lomo. Atraída pela forma como a paisagem se diversificava ao longo de seu trajeto diário, que incluía desde a vista do maior complexo de conjuntos habitacionais da América Latina até resquícios de Mata Atlântica.
Minha produção artística é pautada sobre um olhar mais demorado e atento aos aspectos multifacetados e contrastantes da cidade, especialmente nos espaços urbanos.
Ilma Guideroli
A fotógrafa conta que não dirige e depende exclusivamente do transporte público para se locomover, o que a fez ter o hábito de fotografar de dentro de metrôs, trens e ônibus. Desta vez, os registros feitos ao longo do seu caminho remeteram a uma visão panorâmica da paisagem que se repete e reverberam linearmente, mas sem uma relação direta entre o antes e o depois.
O próprio formato do livro, em uma folha contínua, permite que ele seja livremente manuseado e, dessa forma, as cenas sejam reorganizadas. Os registros feitos no livros, apesar de retratarem o trajeto diário da fotógrafa, estão longe de serem óbvios. Além das fusões e sobreposições, os tons azulados que resultaram do processo de fotografar os negativos com uma câmera digital e invertê-las no computador dão um aspecto onírico às fotos. Esse procedimento foi uma adaptação que Ilma usou como alternativa para visualizar os negativos, pois estava sem scanner fotográfico.
“Fui percebendo que o azul conversava muito bem com as paisagens e os recortes, e optei por manter esse tom, pois ele era responsável por criar uma outra atmosfera, e com isso as imagens passaram a ter outro sentido e se transformaram no panorama”, conta Ilma. “Acredito que os trajetos cotidianos sempre contém em si um encantamento, algo da ordem do deixar-se levar e ser levado. Um olhar mais atento pode revelar gratas surpresas. No caso do panorama foi um misto de registro de cenas que eram tão similares e ao mesmo tempo tão diferentes do meu cotidiano.”
Todos os dias, Ilma passava pelos terminais Sacomã e Guaianazes, pelas estações Tamanduateí e Brás e uma lotação chamada Vila Yolanda, que a deixava no seu destino final. Ela conta que, como pegava o ônibus no contra-fluxo, indo para o bairro quando todos estavam se dirigindo ao centro, ele geralmente chegava vazio e ia lotando conforme se aproximava de Guaianazes. Como usava um equipamento pequeno, pouca gente percebia que ela estava fotografando e ficava mais fácil manter o foco no que estava acontecendo do lado de fora.
O retrato da trajetória de Ilma nos mostra que a complexidade urbana da maior cidade do Brasil, na é possível se surpreender e se perder mesmo nas viagens cotidianas de ônibus. Mesmo quando se é conduzido até seu destino, os contrastes podem se confundir e fazer emergir uma nova perspectiva, tudo depende de onde parte o seu olhar.
Como adquirir o livro:
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