O que é? Nilson Garrido é pugilista amador e mora na rua há 20 anos. Ele coordena o Projeto Cora-Garrido Boxe, que começou oferecendo treinamento para pessoas em situação de risco embaixo de um viaduto e hoje tem duas academias em São Paulo. A iniciativa é mantida com doações dos frequentadores do local.
Todo dia é dia de luta embaixo do viaduto
Nilson Garrido pretendia ensinar boxe para um menino em situação de rua, mas ele apareceu no local combinado – o espaço sob a passarela do Terminal Bandeira, no Vale do Anhangabaú – com mais dois amigos. Antes do dia terminar, o grupo já reunia mais de 60 crianças. As pessoas começaram a procurar o pugilista em busca de ajuda, pelos mais variados motivos.
Tudo aconteceu muito rápido na vida de Nilson. A partir desse primeiro dia, do primeiro menino, em 2000, a área embaixo da passarela da Câmara Municipal acabou virando um centro de treinamento e abrigo para as crianças moradoras de rua. Quando a enfermeira Corina Batista visitou o viaduto e se voluntariou para oferecer assistência social no local, foi criado o Projeto Cora-Garrido Boxe.
A administração municipal solicitou a área no Anhangabaú para reformas e cedeu o vão sob o viaduto do Café, no Bixiga, que tinha mais espaço disponível, para a realização das atividades da iniciativa. Garrido conta que o local era um depósito de ferros, madeira e outros materiais. A academia, que tinha seus equipamentos improvisados, continuou funcionando de maneira autônoma, mantida por trabalho voluntário e doações.
O projeto cresceu e passou a ocupar também a área sob o viaduto Alcântara Machado, na Radial Leste, depois de um acordo com a subprefeitura da Mooca, em 2006. Hoje o local conta com aparelhos doados por uma academia e um octógono, para a prática de MMA. O lugar é também a casa de Garrido e recebe os frequentadores das 8 às 21h de segunda à sexta e das 9 às 12h aos sábados.
Para o motorista e segurança João Batista Rosa, conhecido na academia como Negro Sall, “o boxe é como garimpo” – exige muito, mas pode trazer muitos ganhos para quem se dedica. Assim como outros frequentadores, Negro Sall também se tornou um voluntário do projeto desde o momento que passou a treinar regularmente.
“Acabei cuidando de crianças esquecidas pelo poder público”
Nilson Garrido
O viaduto Alcântara Machado também já sediou uma luta profissional em 2010, válida pela Associação Nacional de Boxe. No ringue, Albertino Mota Pinheiro enfrentou o filho de Nilson Garrido, Fábio, que era campeão brasileiro dos meio-pesados quando foi nocauteado em 2004, teve uma hemorragia cerebral e passou 11 dias em coma. O lutador, que começou treinando com o pai aos quatro anos de idade, se recuperou e continuou sua carreira no boxe depois do episódio.
A academia do Bixiga foi transferida para o espaço sob o viaduto do Glicério, no Centro, que atualmente passa por uma reforma. Garrido espera que o projeto sirva de inspiração para que o poder público recupere outras áreas embaixo de viadutos. Ele conta que aproximadamente 70% das pessoas em situação de risco que participaram do Cora-Garrido conseguiram se reintegrar à sociedade e que o local está aberto para quem quiser fazer parte, independentemente de faixa etária ou classe social. Deixar o esporte não faz parte dos planos do pugilista, que completará 60 anos em maio.