O “sonho da casa própria” foi um medidor de estabilidade financeira e de vida no Brasil por vários anos. Para muita gente, ainda é. Pois, atualmente, ele é algo muito mais palpável para os brasileiros do que para os ingleses. Um levantamento realizado pelo governo britânico mostra que a quantidade de imóveis ocupados por inquilinos já ultrapassou a de ocupados por seus proprietários. Um fenômeno que tende a piorar nos próximos anos.
De acordo com o English Housing Survey (Pesquisa de Moradia na Inglaterra), 898 mil famílias vivem em imóvel alugado, mais que o dobro (405 mil) em relação a 2003/04. Enquanto isso, o número de residências ocupadas por proprietários – com o pagamento quitado ou financiado – está em 883 mil, bem abaixo do 1 milhão registrado há 12 anos.
Só como parâmetro, segundo a edição de 2014 do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE, 74,4% dos imóveis no Brasil pertenciam a seus moradores, 17,9% eram alugados; 7,4% estavam cedidos e 0,4%, tinham outra condição. Os números das grandes cidades não são tão diferentes desses, ainda que também haja aumento de inquilinos nos últimos anos. Mas, claro, os critérios do instituto brasileiro podem ser diferentes do adotado pelos britânicos e os números servem como referência, não como comparação.
O principal motivo da inversão – a primeira desde 2005, quando a pesquisa foi criada – em Londres é o aumento do valor dos imóveis na capital inglesa, mesmo fenômeno observado em várias cidades do mundo. Só em janeiro, houve um aumento em 5,4% no preço médio dos imóveis, chegando a £ 644 mil (quase US$ 1 milhão). Reforçando: US$ 1 milhão é a média.
Colocamos os valores em dólares porque a cotação do real tem flutuado muito nas últimas semanas e pode causar distorção na percepção do leitor
A inflação do setor tem tornado os imóveis cada vez menos acessíveis às classes média-baixa e média, sobretudo jovens que acabaram de entrar no mercado de trabalho. Se o setor imobiliário seguir em alta acentuada, a tendência é que comprar sua própria residência se torne cada vez mais algo restrito a pessoas perto dos 40 anos, com vida profissional já consolidada e com muitos anos economizando dinheiro.
A dificuldade para a compra de imóveis não tem pressionado os valores para baixo porque o interesse por locação segue alto. Com isso, investidores compram várias residências e as colocam no mercado, com preços cada vez mais altos devido à alta procura e até à concorrência de ferramentas como o Airbnb. Um quarto em apartamento compartilhado sai, em média, £ 743 (cerca de US$ 1 mil).
Em outros países da Europa, a quantidade de inquilinos já supera a de moradores em imóvel próprio, mas há mecanismos de proteção a quem vive de aluguel. Uma análise da PricewaterhouseCoopers vê um lado positivo no fenômeno londrino: com uma massa de inquilinos grande, há mais força para brigar por políticas públicas que os projetam mais.
Isso pode até ocorrer, mas há um preço a se pegar. O tempo médio de contrato de aluguel em Londres é de um ano, o que dá margem para os proprietários reajustarem o valor a qualquer flutuação de mercado. Com uma tendência de alta acentuada, muitos inquilinos são obrigados a trocar constantemente de casa por incapacidade de absorver os constantes aumentos, o que pode, em médio prazo, prejudicar o sentido de comunidade em certos bairros e diminuir o poder de articulação por melhorias.