O clima político brasileiro voltou a esquentar. Vários grupos defendem causas opostas e cada fato novo vindo de Brasília – ou de Curitiba – servindo para jogar mais combustível na discussão. É inevitável que as ruas se transformem em palcos da expressão popular e manifestações pipoquem pelas cidades do País.
Os principais temas dos debates dizem respeito as investigações da Operação Lava-Jato da Polícia Federal. Mas qualquer assunto vira polêmica, até a própria forma de se realizar protestos públicos. Quando pode? Em que circunstância? É preciso pedir autorização às autoridades?
A Constituição prevê essa situação no artigo 5, inciso XVI: “Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. Está explícito que não é necessária autorização, mas se fala em informar as autoridades.
É uma questão delicada até mesmo para o meio jurídico. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral de um Recurso Extraordinário que trata da exigência de comunicação prévia às autoridades públicas para realização de reuniões. Em 2013, a assessora de ministro do STF Beatriz Horbach escreveu um artigo a respeito das restrições possíveis ao direito de protesto. A Assembleia Legislativa do Paraná tem em mãos um projeto de lei para a regulação do direito de protesto no estado.
Para dar uma luz a essa discussão, conversamos com Estefania Queiroz, professora de direito constitucional da Universidade Federal do Paraná:
É realmente necessário pedir autorização ou fazer um aviso prévio para uma manifestação?
É possível, sim, haver alguma restrição. O direito à manifestação para fins pacíficos é garantido pela Constituição, mas as autoridades precisam garantir a segurança em reuniões que envolvam um grande número de pessoas. Pode sempre haver risco para os manifestantes, para as pessoas que normalmente circulam por aquelas ruas, para os imóveis e até para o trânsito. É como um jogo de futebol ou um grande show. Para que esse esquema de segurança seja feito, um aviso prévio é necessário, não é uma violação constitucional.
Mas como evitar que as autoridades façam uso político dessa necessidade de aviso prévio para privilegiar certos protestos em relação a outros?
É de se esperar bom senso das autoridades nas avaliações dos casos. Afinal, o papel delas é tomar decisões em defesa do interesse público. Nesta semana, houve um caso delicado em São Paulo quando a polícia autorizou um protesto contra o governo federal se realizar no mesmo dia e horário para o qual já estava marcado uma manifestação em favor. As pessoas nem sempre são racionais em manifestações e é preocupante quando se trata o caso dessa forma. Eu não tomaria essa decisão, não me pareceu razoável. Menos mal que depois a coisa se resolveu, a própria polícia afastou o grupo pró-impeachment e não houve confrontos com os defensores do governo Dilma.
Esse grupo contra o governo do PT começou a se reunir na avenida Paulista na quarta à noite e fechou a avenida na quinta, logo após o anúncio de que Lula seria o Ministro da Casa Civil. Em um caso como esse, em que o protesto surge como reação imediata a uma notícia, não é possível avisar previamente. Como fazer?
Nesse caso prevalece o direito de manifestação que a Constituição garante. A questão é que o clima político do Brasil aumenta a chance de ocorrerem esse tipo de protesto, que surge espontaneamente e nem sempre tem uma entidade clara convocando ou organizando. A polícia precisa ficar em alerta, não pode esperar que sempre haja uma comunicação prévia. Ela precisa ter planos de ação rápida para se mobilizar e garantir a segurança das manifestações, mesmo as que surjam inesperadamente.
Esse plano de ação rápida inclui um alerta à população de que o País está em um momento diferente e que o caminho que se usou para ir ao trabalho pode estar bloqueado na hora da volta?
Certamente as pessoas precisam estar conscientes de que manifestações podem acontecer a qualquer momento. E não é só a polícia que tem de passar essa mensagem. A própria imprensa também. De qualquer modo, se acontecer algo em uma reunião pública, a responsabilidade é do Estado. E não se pode vedar o direito a manifestação.
Como você analisa a postura das autoridades até agora?
É um problema. As autoridades precisam ser imparciais e garantirem o direito das pessoas de ocuparem as ruas e expressarem suas opiniões. E nem sempre isso ocorre. Por exemplo, o governo federal não teve pudor em pedir por ações coercitivas quando houve uma onda de protestos em meio à realização da Copa das Confederações e depois na Copa do Mundo. O mesmo tem ocorrido para protestos para questões locais, com governos estaduais e municipais. Desde que seja para fins pacíficos, o direito a manifestação está na Constituição.