Dá para dizer, com alguma segurança, que Valter Fedorenko é um dos moradores mais antigos do Copan. Filho de Nicolay Fedorenko, o mestre de obras da construção do edifício, ele chegou ali quando ainda estava sendo feita a fundação sobre a qual o prédio seria erguido. Uma vez finalizado o bloco F, seu pai comprou o apartamento onde o encarregado de manutenção vive até hoje.
Seu dia começa com uma ronda nas portarias de cada bloco, onde os moradores e lojistas deixam registradas as suas demandas. Ele faz parte de uma equipe de 12 pessoas e é responsável por organizar o trabalho necessário para manter o edifício funcionando. Em um dia tranquilo, ele atendeu a seis unidades e veio, ainda de uniforme, para a nossa conversa, que aconteceu na sala que tem o nome de seu pai e abriga a administração do condomínio, com o síndico Affonso de Oliveira sentado do outro lado da mesa. Quando terminamos, já era 18h e ele desceu para o vestiário para se trocar e bater ponto. Sugeri que eu o esperasse para bater uma foto sua à paisana. Ele recusou, estava na hora de ir para casa.
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“Eu nasci em São Caetano do Sul, no ABC. Quando mudamos pra cá eu tinha três ou quatro anos, meus pais e eu lá no cantinho. Eu acho que foram oito ou nove anos de canteiro de obras. Tinha mais uma família de um espanhol, que era carpinteiro. Havia dois barracõezinhos, meus pais e eu morávamos em um e esse casal morava no outro.
Meu pai era russo e foi para a Áustria, onde conheceu minha mãe. Depois eles vieram para cá de navio, como imigrantes. Chegaram no Rio de Janeiro para trabalhar em fazenda. Meu pai trabalhava numa fábrica na Swift, moravam em um bairro onde a grande maioria era de europeus. Um dos vizinhos disse que estavam precisando de gente aqui para a obra. Aí veio uma leva de lá para cá. Eram imigrantes e a maioria veio e trabalhou aqui.
Aqui era uma área verde, enorme. Tinha a Vila Normanda, uns casarões de estilo europeu. Tinha uma rua particular mais ou menos onde é a saída da garagem. Era uma rua sem saída e tinha várias casas estilo europeu, elas continuaram por um bom tempo durante a obra. Bem depois, quando já estava a construção erguida, foi que começaram a demolir e iniciaram a construção do edifício Itália e os prédios da Vila Normanda, que são esses que tem aí do lado.
Não tinha tanta gente no canteiro, no máximo eram entre 10 e 12 pessoas. Quando chegamos, o prédio estava na fundação, bem raso mesmo, era 1957 ou 1958. Que eu me lembre, a obra foi interrompida uma vez só, porque a Companhia Panamericana, que estava construindo, quebrou. Nós continuamos todos aqui e nenhum dos funcionários foi demitido.
Eu brincava, era moleque. Andava de bicicleta no meio da obra, brincava na areia, jogava bola. Tinha colegas na Vila Normanda e a gente ia na ruazinha do lado jogar bola.
Depois que terminou o Copan, meu pai se aposentou. Foram muitos anos de trabalho e ele também teve problema de coração. Imagina ficar subindo e descendo escadaria todos os dias, porque não tinha elevador naquela época, só os guinchos externos para subida e descida de material. Tinha que ser tudo a pé. Imagina, se você está concretando no 32º a última laje, tem que subir de escada pela manhã. A cada cinco ou dez andares tinha uma bandejona grande com água quente para colocar as marmitas em banho maria. Tinha uma cozinha para os funcionários. O legal era quando terminava uma etapa, como a concretagem de um andar até a junta de dilatação de uma laje. Aí era feito uma feijoada no sábado, para todos. Depois foi inaugurado o bloco B, depois cada um foi para o seu lado.
Morava no bloco F, desde quando foi inaugurado o F. Meu pai resolveu que ele queria um apartamento de qualquer forma, onde ele começou a trabalhar do início até a finalização. Ele conseguiu facilidades de pagamento como funcionário e comprou o apartamento. Nos mudamos em 1974.
Eu ainda moro lá, só fiquei afastado durante dez anos, enquanto fui casado e vivia no Butantã. Depois voltei pra cá. Meus pais acabaram falecendo, eu continuo morando aí. Lá no Butantã era casa, já aqui, se falarmos nos termos atuais, é mais seguro, porque casa hoje em dia está um perigo. Naquela época era sossegado morar em casa.
Sou encarregado da manutenção desde 2001. Antes disso fiz várias coisas, trabalhei sete anos no Bradesco na Cidade de Deus, em Osasco. Fiz reforma de lojas, fui instalador de persiana. Aí seu Affonso me convidou, em 2001, perguntou se eu gostaria de participar da manutenção aqui, organizar com o pessoal que tem aí. Tem 12 pessoas na manutenção entre pedreiros, pintores, serralheiros, marceneiros, encanadores e também tem uma equipe de três eletricistas, à parte.
Conheço um pouquinho de tudo. Não é que eu saiba fazer, mas sei como se faz. Como trabalhei em reforma de lojas e tudo, com o tempo fui aprendendo. Eu só acompanho, distribuo o serviço para tentar manter o prédio funcionando da melhor maneira possível, tanto as áreas comuns e como os apartamentos. Tem outros moradores que também trabalham na equipe.
Nós damos assistência aos apartamentos em caso de vazamento, torneira, válvulas de descarga, entupimentos, vazamentos. A prioridade é conter vazamentos.
A relação com os moradores é complicada. Tem moradores que colaboram muito bem, deixam a gente trabalhar tranquilamente. Tem gente que não deixa nem entrar no apartamento. Quando é problema de prumada [instalações que abastecem do primeiro ao último andar], por exemplo, envolve dois andares para fazer essa troca. Aí um morador concorda, porque compete ao condomínio fazer isso, não existe custo. O morador de baixo fala não, que não vai mexer, não tem nada vazando, não deixa entrar. Nesses casos, fazemos uma cartinha e chamamos para conversar. Aí ele vai pensar o dia que ele vai marcar para poder fazer o serviço. Enquanto isso, está vazando lá em cima ou embaixo. Eu prefiro não participar dessas conversas, porque tenho pavio curto. Meu negócio é resolver o problema. A gente tenta, né? Quando não dá, acaba vindo pra cá.
Morador novo geralmente quer informações. Saber como funciona, já chama para fazer uma revisão, verificar as torneiras, etc. Quando fazem reformas no prédio a gente acompanha para ver a escolha de materiais, porque tem um padrão aqui. Não dá para botar cano de PVC, por exemplo, porque a pressão da água é violenta, tem que ser cano de cobre.
Os vazamentos diminuíram, nós da equipe de manutenção fazemos revisão periódica e os moradores que colaboram logo avisam a gente. A gente já vai fazendo a manutenção e a administração tem o contato da imobiliária para entrar nos apartamentos vazios.
Hoje foi sossegado, atendemos seis apartamentos. Isso varia muito. Tem dia que a gente atende de 15 a 18 apartamentos e lojas, outros que são três, quatro. Fizemos troca de uma prumada de um apartamento que está em reforma e atendemos mais seis apartamentos: casos de torneira pingando, ralo entupido, pia entupida. Tem dias que a gente não dá conta, não consegue atender a todos, é muito flexível.
A maior parte do prédio foi bem feita, porque na época não existiam os materiais que tem hoje. Não existia PVC para o esgoto, por exemplo, então foi feito de ferro fundido. A tubulação de água foi feita em tubo galvanizado, que enferruja com o tempo. Na medida do possível, estamos trocando para a tubulação de cobre para água e PVC para o esgoto. Para a época, eu acho que foi bem construído, era o melhor material que tinha na época.
Só conheci o Niemeyer por foto e por entrevista, nunca o vi aqui. Acho que ele não ia em obras. O projeto original foi modificado. Quando inauguraram o bloco D – dois apartamentos por andar, enormes – não tinha saída, não se vendiam esses apartamentos. Depois mudaram os blocos E e F, que eram de um apartamento por andar e foram subdivididos. Deve ser isso que desagradou ele, né? Acho que seu Affonso sabe melhor que eu. Ele conheceu o Niemeyer.
As lojas sempre existiram, desde o projeto original. Foi muito difícil desenvolver, o pessoal começar a querer usar. A maioria ficou fechada por um tempo enorme. Agora está muito melhor: eu tomo café, tem a pizzaria, o restaurante ali na frente, o Varanda. É tudo pertinho, o que você quiser. É uma pena que não tem mais o cinema. Um cineminha seria bom, agora virou tudo bingo e igrejinha. A igreja [onde era o antigo cinema] está interditada agora por falta de segurança, por problemas elétricos e hidráulicos – fecharam para uma reforma geral. Eu ia assisti vários filmes no CineCopan.
Melhorou em tudo, o prédio, a manutenção e a administração dele. A pintura, as áreas comuns, corredor. Foi tudo refeito, todos os blocos, corredores e galeria foram pintados de novo, várias vezes. As portas foram padronizadas por bloco. Antes você entrava, por exemplo, no bloco B, que tem 20 apartamentos por andar, e cada um tinha uma porta diferente: uma verde, uma vermelha, uma amarela, uma azul, uma lilás. Agora todas têm a mesma cor, cada bloco com sua cor, para ficar uma coisa mais bonita, não carnavalesca.
Agora é bom, é um ambiente familiar. O familiar, que eu digo, é um ambiente mais amistoso. Antes o bloco B era o pior bloco para se morar, foi mal falado. Tinha de tudo: drogas, prostituição. Agora acabou. Lógico que tem os usuários, mas cada um no seu cantinho, tudo bonitinho, ninguém atrapalha ninguém. Não existe mais a bagunça.
Eu trabalho das 8h às 18h, sábado tem plantão de dois funcionários, domingo não trabalha. Às vezes acontece imprevistos, mas é muito difícil. Quanto tem algum problema no meu apartamento eu conserto tudo sozinho, menos a prumada. Aconteceu em fevereiro, um problema na prumada geral do prédio, no apartamento de cima. Teve que quebrar o de cima e o meu. Aí foi a equipe. Quando eu fiquei afastado por doença, eles também iam em casa me visitar.
Atualmente moro com minha filha mais nova. Tenho duas filhas, uma casada e a solteira, que logo vai casar também, mas mora comigo. Ela gosta muito daqui, mas tem que ser mais cômodo para eles, perto de onde eles trabalham. É uma relação mais afetiva que eu tenho com o prédio. Meu pai trabalhou aqui desde o começo até o final, ele ajudou a construir. Gosto de morar aqui e acho que eu não vou me mudar, não. Vou ficar no meu cantinho, que está muito bom.”