“Não precisamos de cangurus, precisamos de encanadores.” A delegação da Austrália estava indignada com a forma como Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, reagiu aos protestos australianos sobre a situação da Vila dos Atletas. O caso rapidamente cresceu, com outros relatos da falta de acabamento das habitações em que os competidores ficarão durante a Rio-2016. As redes sociais brasileiras reagiram, muitas vezes expressando a vergonha pelo problema.

Ainda que a confusão tenha sido contornada rapidamente, com um mutirão de trabalhadores finalizando os apartamentos a toque de caixa, foi um momento constrangedor. Mas a situação da vila olímpica não pode, nem deve, ser vista apenas por esse prisma. Ela é muito mais grave que ajustes no sistema hidráulico ou elétrico de um edifício.

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A construção de um legado tem sido um dos problemas mais delicados dos Jogos Olímpicos, onde quer que eles sejam realizados. Várias estruturas são desnecessárias para o dia a dia das cidades-sede e ficam sem uso após as competições. Calcular o retorno das obras é complicado. As arenas precisam de uma demanda por eventos esportivos e culturais para atraírem algum investidor disposto a bancá-las. As obras de infraestrutura precisam ser projetadas de modo a terem relevância no cotidiano da metrópole, pois não adianta uma grande rede de transporte para o Parque Olímpico se ninguém mais for ao local – e arredores – após os Jogos.

A Vila dos Atletas, ainda que represente um percentual pequeno do investimento total para o evento, tem um legado relativamente fácil de projetar. É uma espécie de novo bairro, composto por edifícios residenciais comuns, com tecnologia construtiva comum. A necessidade social e o comportamento do mercado para esse tipo de empreendimento também é fácil de estimar, pois há exemplos similares pela cidade.

Ainda assim, a vila olímpica tem vários problemas em sua concepção. A estrutura foi incluída na PPP para a construção do Parque Olímpico. Assim, as construtoras responsáveis por erguer as arenas esportivas em Jacarepaguá teriam a possibilidade de construir e explorar comercialmente os imóveis que serviriam de alojamento para os atletas.

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Em teoria, esse modelo deveria garantir trabalho feito a tempo, com preço competitivo e sucesso comercial. Incorporadoras acompanham o comportamento do mercado e sabem quais empreendimentos têm mais saída a cada momento e quanto as pessoas estão pegando por cada tipo de imóvel.

O mercado imobiliário teve retração nos últimos anos, uma soma da crise do país com uma normalização de uma indústria que vivia em uma bolha, mas é difícil imaginar que apartamentos de padrão médio-alto em um condomínio fechado na Barra da Tijuca não tenham interessados. Ainda mais com a garantia dada pela Olimpíada que não haverá atraso nas obras e na entrega das chaves para seus moradores. Mesmo assim, só 50% dos 3,6 mil apartamentos, divididos em 31 torres, haviam sido vendidos até a última sexta.

O modelo comercial está mostrando problemas, mas ele é particularmente pior se imaginarmos o contexto em que a Vila dos Atletas se insere. Como qualquer investimento para os Jogos, poderia ser feito de modo a trazer algum retorno para a comunidade, o legado. Ainda que a prefeitura não tenha colocado dinheiro na construção dos prédios, ela bancou a infraestrutura de acesso e elaborou uma lei aumentando de 12 para 18 andares o gabarito para edificações na região. Por isso, era cabível imaginar uma contrapartida social.

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A vila olímpica precisa ter um nível de isolamento durante os Jogos, uma medida de segurança lógica após o atentado de um grupo terrorista à delegação de Israel na Olimpíada de 1972. Mas ela poderia ser concebida de modo a, terminadas as competições olímpicas e paralímpicas, se inserir no entorno, até como forma de dar à cidade um pouco daquilo que os Jogos trouxeram. A Vila dos Atletas não terá isso, pois ficará fechada como o condomínio Ilha Pura.

Edifícios da Vila dos Atletas e área comum do futuro condomínio (AP Photo/Leo Correa)

Edifícios da Vila dos Atletas e área comum do futuro condomínio (AP Photo/Leo Correa)

Outra possibilidade seria colocar os edifícios em si dentro de um contexto social. O terreno da vila olímpica não era ocupado, mas, logo ao lado, as comunidades de Vila Autódromo e Vila União foram removidas por ocuparem a área em que hoje está o Parque Olímpico. A retirada desses moradores, alguns com autorização para viverem no local, foi recheada de problemas e irregularidades. A Vila dos Atletas poderia ser projetada como habitação de interesse social e receber esses moradores ou, dentro de uma perspectiva comercial, ter em seu contrato a exigência que seus incorporadores também se responsabilizassem por atender a essas pessoas. Até porque os responsáveis pelo empreendimento da vila olímpica também farão condomínios no local de algumas arenas do Parque Olímpico. Há investimento imobiliário de sobra nesse pacote.

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No final das contas, a vila olímpica não representará nenhum legado ao Rio de Janeiro, apenas aos moradores do Ilha Pura. Um problema muito mais grave que as falhas de encanamento, uma situação relativamente fácil de remediar e que, no fundo, tem impacto mais pelo constrangimento que traz do que algo mais sério e de longo prazo.

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