O que é? Uma maleta de ferramentas, duas câmeras e ação. Desentortar placas de trânsito, limpar estátuas, remendar canos quebrados e limpar ralos são alguns exemplos de intervenções realizadas pelo Trinca SP nas ruas de São Paulo. Camila Montagner conta como os vídeos da iniciativa feita por eles, a Serviços Gerais, retratam uma cidade que não carece apenas de grandes obras estruturais, mas também de pequenos cuidados.

Quando ela não está lá 

A paisagem paulistana é cheia de grafites, lambe-lambes, propagandas e adicione aqui o estímulo visual disponível em cada esquina. As ruas são vibrantes e cheias de elementos que disputam a atenção de quem passa.  No meio de tudo isso, os bens comuns se perdem na mistura de mensagens e cores: as placas de trânsito, as bocas-de-lobo, os canteiros nas avenidas.

A gente até olha, mas fica difícil reconhecer tudo o que é nosso e faz a cidade funcionar. Dificilmente nos lembramos que dependemos dessa estrutura enorme e carente. A não ser ali, exatamente onde ela falta.

São nessas falhas perdidas na dinâmica da malha urbana que o Serviços Gerais se concretiza. Intervir na cidade com um martelo, corda, arame, pregos, água e duas câmeras mini DV. É esse o trabalho que os produtores Filipe Machado Rodrigues e Gustavo Mcnair realizam em parceria com o artista plástico Rodrigo Machado.

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Filipe e Rodrigo na gravação do reparo de um ralo na rua Baltazar Carrasco (foto: Marina Coelho)

Fazendo cenografia e trabalhos com materiais descartados, Rodrigo aprendeu a lidar com materiais diferentes e a reaproveitar as coisas. No festival SWU, em 2011, ele estava montando uma instalação e a produtora de Filipe e Gustavo, a Kana Filmes, registrava o evento. Foi então que começaram uma conversa que resultou no primeiro vídeo: o conserto de uma grade de proteção na estação Ana Rosa do metrô.

A ideia era fazer reparos simples para que as pessoas se identificassem. Consertar é um segundo momento, o primeiro é ter cuidado com a cidade. É essa a bola que a gente levanta.

Rodrigo Machado 

A motivação do projeto foi buscar uma abordagem diferente da cidade – o trio não queria registrar problemas sem mostrar uma solução. Identificar algo errado nos lugares por onde passam com frequência, posicionar as câmeras e planejar o modo como Rodrigo vai entrar em ação com sua maleta de ferramentas são apenas as etapas iniciais de cada intervenção.

Alguns consertos exigiram que eles corressem atrás de material emprestado dos moradores do entorno, como foi o caso da escada que aparece na gravação acima. No entanto, o procedimento inclui  interferir o mínimo possível na rotina das pessoas ao redor e posicionar uma das câmeras para registrar suas reações espontâneas.

Algumas delas são curiosas, como um passante que avisou que a polícia estava a caminho. Neste momento, eles estavam filmando a reposição das pastilhas do piso do viaduto Santa Efigênia. No final, tudo acabou bem, como dá para ver no vídeo abaixo.

As reações ao trabalho do trio são as mais variadas. Moradores frequentemente fazem convites e sugerem intervenções nos seus bairros. Uma pessoa chegou a enviar fotos dos reparos que ela mesma estava realizando. Filipe conta que o Serviços Gerais fez com que ele também passasse a se sentir mais responsável por São Paulo. Rodrigo diz que gosta de saber que mais pessoas pensam a sua relação com a cidade da mesma forma. (Gustavo não participou da conversa pois estava fora, em outras bandas).

Entre bater pregos, limpar estátuas e cortar grama, já foram mais de quarenta ações realizadas. Alguma delas envolvem trabalho braçal, como limpar uma mesa de piquenique, e outras são mais engenhosas, caso do conserto da gangorra da praça Cornélia.

Apesar de se tratar de um trabalho artístico, nenhum elemento novo é adicionado à paisagem. Alguns são até removidos. Eles consideram a retirada de uma grade de contenção de uma árvore, nos Jardins, a coisa mais próxima da subversão que já fizeram nesses três anos. A administração municipal nunca interferiu – nem ajudou.

Nós editamos pouco os vídeos, não é para ser algo divertido de assistir. As pessoas às vezes não consideram arte o que nós fazemos, mas a gente considera porque cada situação só existe ali.

Filipe Machado Rodrigues

Os vídeos já fizeram parte de exposições em Pinheiros, em 2012 e, no início de 2015, em Coimbra, Portugal. O Serviços Gerais foi a primeira experiência de Rodrigo com arte performática, mas já era possível encontrar obras suas pelo espaço urbano antes disso. No projeto Urban Trash Art, o artista construiu esculturas gigantes de material descartado com seu parceiro Pado.

A próxima intervenção não tem data marcada, mas o Serviços Gerais se mantém ativo. Cada ação se estende até a barra vermelha alcançar toda a extensão da preta, no YouTube. Mas fazer a manutenção da cidade é um trabalho contínuo, que não tem fim – nem para eles, nem para nós, nem para a cidade.