“É disso que se trata a América. Uma terra de sonhos e oportunidades. Houve outros imigrantes que vieram aqui no porão de navios negreiros, trabalharam por ainda mais tempo, até mais duro por menos dinheiro. Mas eles, também, tinham o sonho que um dia seus filhos, filhas, netos, netas, bisnetos, bisnetas poderiam conseguir prosperidade e felicidade nessa terra.”
O discurso de posse de Ben Carson como ministro de Donald Trump foi uma tragédia. O pré-candidato derrotado à presidência dos EUA pelo Partido Republicano conseguiu falar dos africanos escravizados como se fossem imigrantes que tinham sonhos na nova casa. Foi uma declaração bastante infeliz, ainda mais porque ele próprio, Carson, é negro e deveria saber melhor o que representou a ida forçada de seus antepassados às Américas.
Muita gente tentou passar um pano e tratar o caso como gafe ou emprego mal calculado de palavras. Mas, mesmo se o caso for tratado dessa forma para lá de generosa, é preocupante. Sobretudo pelo cargo que Carson estava assumindo naquele momento: o de ministro de habitação e desenvolvimento urbano.
Nesta pasta, o médico terá de lidar com questões delicadas como acolhimento de refugiados, situação de imigrantes, dificuldade da população em manter-se em dia com o financiamento de sua casa, projetos para democratização de serviços e espaços públicos em áreas urbanas e mobilidade, entre outros temas comuns em grandes cidades. O responsável por essa área precisa entender as nuances dessas questões e o que se passa na cabeça dos grupos sociais mais vulneráveis.
Mesmo dando mais um benefício da dúvida ao novo ministro, ele poderia compensar a declaração horripilante com um resto de discurso cheio de conteúdo. Nada disso. Contou histórias da época em que era um dos principais neurocirurgiões dos Estados Unidos e só. Nem mencionou o fato de que sua pasta sofrerá um corte orçamentário de US$ 6 bilhões, ou 14%.
Certamente as pessoas que lidam com os temas urbanos e de habitação nos EUA gostariam de saber se o novo ministro da área tem propostas criativas para fazer mais com menos. Mas ele preferiu comparar escravos com imigrantes.