Mauricio Macri assumiu o governo argentino com a promessa de fazer ajustes em diversas áreas. Uma delas foi o fim do subsídio a diversos serviços, como a água e a energia elétrica. Com isso, as contas repentinamente tiveram aumentos significativos. Para reduzir o impacto da medida, o governo criou a tarifa social para aposentados, desempregados, quem não tem mais que duas moradias e famílias de baixa renda. Mas um grupo ficou no limbo: os mais de 400 clubes de bairro.
Na Argentina, sobretudo em Buenos Aires, essas instituições têm um papel social importante. Elas funcionam como centros de lazer e eventos da comunidade, oferecendo opções esportivas e culturais para a população local – principalmente crianças e aposentados – e disponibilizando a estrutura para os colégios vizinhos. Há clubes de bairros nobres, com altas mensalidades e boa estrutura, mas a maior parte se localiza na periferia e vive dos recursos que a região oferece.
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Eles funcionam como uma mistura dos clubes sociais brasileiros com as escolas de samba e projetos sociais de bairro. Oferecem aulas de diversas modalidades esportivas e artísticas, organizam eventos comunitários e centralizam ações em torno do bairro. Alguns chegam a ter equipes profissionais de futebol, como Yupanqui, San Telmo, Deportivo Merlo e Deportivo Riestra, mas sempre em divisões quase amadoras, servindo mais como opção de lazer para os moradores da região no fim de semana do que como forma de rentabilizar.
Os clubes são instituições privadas e suas principais fontes de renda – mesmo para os clubes com equipes de futebol, e aí não confundir com os times da primeira divisão – são as mensalidades dos sócios, os restaurantes e os eventos. No entanto, muitos começaram a sofrer nas últimas décadas. Em um fenômeno semelhante ao do Brasil, o surgimento condomínios com estrutura própria de lazer fez que muitos sócios deixassem de frequentar os clubes. O impacto para eles não é grande, mas a comunidade que se beneficiava dos serviços tem sofrido.
Em 2013, o governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires (equivalente ao governo do Distrito Federal) criou uma lei específica para os clubes sociais, que teriam mais flexibilidade para uso do solo para atividades esportivas e culturais em benefício da comunidade. Mas isso não mudou o fato de que muitas das instituições continuam trabalhando com o dinheiro contado, cobrando mensalidades quase simbólicas – algumas não passam de 30 pesos, ou R$ 7,50 – para ser acessível à população do bairro.
Nesse cenário, o fim repentino do subsídio da conta de luz teve um grande impacto. O Yupanqui pagava mil pesos (R$ 252) por mês e viu a tarifa chegar a 11 mil pesos (R$ 2,8 mil, ou 1.000% de aumento). Com 900 sócios que pagam uma mensalidade média de 90 pesos (R$ 22,7), a energia absorve 13% do faturamento. “Não podemos aumentar a mensalidade. Teria de ser um aumento muito alto, mas este é um clube de bairro e de interesse social. A última coisa que queremos é nos tornar um clube elitista”, afirmou o presidente Ricardo Prado em entrevista ao Clarín.
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O Yupanqui é conhecido na Argentina justamente por ser pequeno e ter poucos recursos. Tanto que seu time de futebol foi escolhido para estrelar uma propaganda da Coca-Cola em 2001. Na oportunidade, o clube foi apresentado como o dono da menor torcida do país.
A situação do Yupanqui preocupa, mas há clubes em situação ainda pior. O El Talar arrecada cerca de 22 mil pesos (R$ 5,5 mil) com as mensalidades. Desse montante, 30% tem de se destinar à conta de luz desde o reajuste. “Estamos feridos mortalmente, muito preocupados e remando em doce de leite [expressão argentina que significa algo como ‘tirando leite de pedra’]. Só de pegarmos a conta de luz e somarmos com as outras contas e os salários dos funcionários, a conta dá zero”, comentou Javier Fidanza, vice-presidente do clube. “Com as demais despesas de operação, terminamos no vermelho.”
A proposta dos clubes é amortecer o aumento, subsidiando de 40 a 50% da diferença entre a tarifa antiga e a atual. Ainda assim, seria algo temporário. O governo argentino criou uma lei em janeiro de 2015 para dar mais fôlego financeiro aos clubes de bairro pelo país. No entanto, o texto ainda não foi regulamentado e, por isso, não foi aplicado. Macri ainda não colocou o tema na pauta, mas não depende apenas da administração nacional, pois o debate também precisa da participação de entidades representando os clubes e dos governos das províncias.