O que é? A mudança do clima é uma das questões mais impactantes em termos ambientais, econômicos e sociais que afetam o mundo de hoje. Ela tem o potencial de causar enormes danos à infraestrutura, à sociedade e ao nosso modo de vida neste planeta. É por isso que a COP21 em Paris foi cercada de expectativas desde o início. Seu desfecho, com os países participantes concordando em limitar o aquecimento global a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais foi algo que parecia impensável há alguns meses (especialmente após as frustrações geradas pela COP15 realizada em Copenhague em 2009). Celebrado com muito otimismo – em que pesem as relevantes reflexões críticas e realistas feitas por especialistas acerca do acordo – fica a questão: como as mudanças climáticas e os planos de mitigação como o assinado em Paris afetam as nossas cidades?
Um mundo urbano
Hoje, 54% da população mundial vive em zonas urbanas. Esta proporção deverá aumentar para 60% nos próximos 20 anos. Um crescimento acentuado, ainda mais se consideramos que, em 1900, esse índice era de apenas 14%. São bilhões de pessoas que se amontoam em menos de 3% da superfície terrestre do globo, de acordo com o Contro para Sustentabilidade e Ambiente Global, da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), umas das instituições mais conceituadas em estudos sobre impactos do clima. É impossível não perceber que tamanho adensamento é uma bomba de problemas nesses ambientes, e por isso é tão importante ficar atento ao que foi discutido e lutar pelo cumprimento do que foi acordado na COP21, conferência da ONU para discussão das mudanças climáticas realizada neste mês em Paris.
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Essa taxa de crescimento da população urbana se deve muito aos países em desenvolvimento, que veem uma migração para as metrópoles em ritmo mais intenso que em nações industrializadas. A China ilustra bem esse cenário: 18% da sua população vivia em cidades no final dos anos 70, número que saltou para 54% quase 40 anos depois. Estamos falando de 757 milhões de chineses vivendo em áreas urbanas – estima-se que até 2030, a segunda maior economia do mundo país atinja a marca de mais de 1 bilhão de pessoas morando em cidades.
Só para efeito de comparação, no Brasil, 84% da população vive em áreas urbanizadas, algo em torno de 161 milhões de pessoas segundo o censo de 2010. Nos Estados Unidos, essa taxa é muito parecida: 83% – ou 268 milhões de pessoas segundo os dados do recenseamento de 2014.
Os problemas
É provável que já estejamos tão habituados aos desequilíbrios ambientais que não nos damos conta de que boa parte desses eventos ocorrem devido à ação do homem ao longo do tempo. Especificamente no caso de áreas urbanas, as alterações climáticas provocam impactos como ondas de calor intenso e mortes associadas às altas temperaturas, queda considerável da qualidade do ar, tempestades destruidoras, enchentes e inundações que danificam todo o sistema de drenagem e infraestrutura urbana, deslizamentos de terra, estiagem e escassez de recursos hídricos, impactos na produção agrícola e doenças e epidemias (a malária e a dengue são tristes exemplos que ilustram esse cenário).
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O desequilíbrio ambiental implica também em grandes ondas de imigração de habitantes de países majoritariamente rurais que já começam a sofrer impactos irreversíveis ou de difícil solução no curto prazo. Com a queda da produção agrícola, essas pessoas se veem forçadas a migrarem para áreas urbanas ou para países mais desenvolvidos em busca de melhores perspectivas de vida.
As nações em desenvolvimento, sobretudo China e Índia, sofrerão muitas transformações no perfil populacional por conta da transição rural-urbano. No entanto, a eloquência dos números oculta uma série de consequências preocupantes – algumas das quais os brasileiros já vivenciam, pois nosso processo de urbanização, iniciado nos anos 50, se deu de maneira caótica e nada planejada.
Esses ciclos de desenvolvimento – sejam eles nascidos na revolução industrial há 200 anos, sejam eles resultados desse processo mais recente – trazem consigo a expansão econômica, o acesso a novas tecnologias e educação. Porém, implicam no desafio de gerenciar essas populações em expansão, garantindo o financiamento público suficiente para o prestação de serviços sociais, além de lidar com as pressões ligadas à criação de novos empregos e direitos trabalhistas, como também gerenciar a demanda e a oferta de terra, energia e água.
Tais questões precisarão cada vez mais estar alinhadas com planos econômicos que minimizem desigualdades sociais e planejamentos urbanos que primem pelo bom uso de recursos naturais e pela busca incessante de uma agenda ecologicamente correta.
Alguns caminhos
A concentração de pessoas e atividades econômicas nas cidades proporciona a oportunidade para os responsáveis pelas políticas públicas repensarem a visão estratégica destas localidades em direção a um novo modelo de gestão e planejamento sustentáveis.
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Em países desenvolvidos, muitas cidades estão engessadas pelo legado de uma infraestrutura antiga – o que pode, dependendo da situação, demandar a construção de uma nova. No entanto, estas possibilidades não são factíveis por razões econômicas, políticas ou práticas em muitos casos. Assim, é necessário desenvolver meios para adaptar e transformar as infraestruturas já existentes (nesse sentido o Reino Unido tem dado bons exemplos).
As negociações de Paris não podem sozinhas reduzir as emissões globais de poluentes porque as mudanças necessárias são muito grandes. Como as emissões de gases de efeito estufa emanam da maioria das atividades humanas, reduzi-las a zero exigirá uma transformação radical do nosso modo de vida. A maneira como geramos e consumimos energia, os meios de transportes, modos de construção e habitação, fabricação, produção agrícola e outros setores da economia global precisarão passar por uma quebra de paradigmas.
Deter a mudança climática vai exigir inovação no nível local – portanto as grandes metrópoles passarão a ter cada vez mais relevância nesse debate. Veremos um processo de baixo para cima de experimentação e mudanças tecnológicas, governança e normas. Um progresso gradativo e significativo está ocorrendo em todas estas áreas. No que tange à tecnologia, o custo da energia a partir de fontes renováveis, como a eólica e a fotovoltaica, vem caindo significativamente na última década e ganhando espaço considerável em países como Dinamarca, Suécia, EUA e Alemanha. Os “smart grids” são apenas um exemplo de como as empresas de energia buscarão novos modelos de negócios nessa área.
Os carros elétricos estão no mercado. Há também uma forte tendência em buscar outras formas de locomoção nos centros urbanos, visando reduzir os impactos dos combustíveis fósseis. Além disso, muitos países já estudam medidas e ações para um futuro sistema global de preços do carbono relacionando-os a seus esforços locais.
As cidades são organismos em constante mutação e tais mudanças levam tempo para serem implementadas e digeridas. Não somente as mudanças físicas, mas também as quebras de padrões culturais que afetam a vida das pessoas. Mas é preciso dar esses passos. A COP21 não foi apenas uma reunião de chefes de estado para discutir questões etéreas. Foi um debate sobre questões que têm relação direta com a qualidade de vida das cidades em que moramos.