O Rio de Janeiro já vive a reta final da preparação para os Jogos Olímpicos e já é possível ter uma boa ideia do que o evento deixará (e o que não deixará) para a cidade em infraestrutura urbana e esportiva. Não é mais um exercício de imaginação. Algo que podemos fazer com outra cidade brasileira: São Paulo, e sua pretensão não concretizada de receber a Olimpíada de 2012.
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O Brasil vivia uma obsessão olímpica. O Rio tentou sediar os Jogos em 1996 e foi pré-candidato para 2004. Brasília também iniciou uma campanha, mas não confirmou sua candidatura em 2000. Para 2012, duas cidades brasileiras apareceram com força, Rio, impulsionado pelo fato de ser sede do Pan-Americano de 2007, e São Paulo, que tentava melhorar sua imagem como metrópole moderna e funcional.
Para definir o representante brasileiro na competição mundial, foi feita uma disputa interna. Em votação realizada em 7 de julho de 2003, os presidentes das confederações das modalidades olímpicas elegeram a candidatura carioca, posteriormente derrotada por Londres. Mas essa experiência foi utilizada para vencer Madri, Tóquio e Chicago na concorrência pelos Jogos de 2016. Mas no que consistia a proposta paulista?
Como é comum em processo de candidatura para grandes eventos esportivos, havia várias promessas de como o legado para a população seria grande e o custo de viabilização não seria um problema. O comitê de São Paulo – que contava com o apoio da então prefeita Marta Suplicy e do então governador Geraldo Alckmin – teve a consultoria de Enrique Truño, coordenador-geral da Olimpíada de Barcelona, tida como modelo de legado olímpico para uma cidade.
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O resultado foi um projeto que tentou aproveitar várias instalações da cidade para receber as competições. O custo nessa área foi prometido em US$ 1,64 bilhão*, boa parte dele concentrado no estádio Olímpico, uma estrutura com capacidade para 75 mil pessoas que seria erguida na Água Branca (zona oeste). Outros investimentos significativos seriam no ginásio olímpico do Anhembi, com 25 mil lugares, e no complexo de tênis do Parque Villa-Lobos, com 13 mil lugares.
Quase todas as competições seriam na capital paulista, mesmo que utilizando estruturas não-esportivas, como uma casa de espetáculos (Credicard Hall, atual Citibank Hall), e dois pavilhões de exposições (Expo Center Norte e Transamérica Expo Center). Fora de São Paulo, apenas a vela (São Sebastião), handebol (São Bernardo do Campo), canoagem slalom (Jundiaí) e futebol (alguns jogos em Santos e Rio de Janeiro). Veja na galeria abaixo quais seriam os locais de disputas olímpicas nos Jogos de São Paulo-2012.
O grande problema da candidatura era o custo com infraestrutura. Apesar de haver cinco núcleos – Anhembi, Água Branca/Barra Funda, Cidade Universitária, Ibirapuera e Guarapiranga – concentrando várias instalações, as disputas ficariam espalhadas pela cidade. Veja no mapa abaixo, ou na versão ampliada aqui.
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Com isso, o gasto com transporte e mobilidade seria alto. Os principais investimentos seriam a construção 110,9 km de metrô – duas linhas novas (Morumbi-Luz e Raposo Tavares-Vila Guilherme) e ampliação das linhas verde e lilás – e construção de 300 km de ciclovias. No aspecto urbanístico, foi prometida a despoluição dos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí, a construção de uma nova rede de esgoto para a represa de Guarapiranga e a implantação de 30 novos parques públicos.
A cidade receberia três áreas urbanizadas: a Vila Olímpica (Água Branca), a Vila de Mídia (Anhembi) e a Vila dos Juízes (Cidade Universitária). Esses espaços teriam ligação com o aeroporto de Guarulhos por uma nova linha de trem e seriam comercializados para uso residencial após os Jogos.
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Todas essas intervenções tiveram custo estimado em US$ 10,01 bilhão. O valor faz parte direta do legado deixado à cidade, mas foi considerado alto pelo Comitê Olímpico Brasileiro (o Rio prometia organizar a Olimpíada por US$ 4,7 bilhões). O argumento das autoridades paulistas é que esse investimento era viável economicamente e não seria apenas para os Jogos. “A cidade precisa disso e vai fazer. Vamos dizer que é elevado a China gastar US$ 13 bilhões em meio ambiente? Ela está gastando porque pode e precisa. Então, não é elevado”, comentou na época Nádia Campeão, secretária municipal de esportes.
Nos dias que antecederam a eleição, os comitês de organização trocaram acusações. O paulista acusou o carioca de preparar um projeto muito incompleto e reclamou da possível influência de Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, em favor da capital fluminense. O Rio rebateu dizendo que sua cidade estava mais pronta e que São Paulo não teria condições de competir com Londres, Paris e Nova York, candidatas já confirmadas para aquela disputa.
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O Rio de Janeiro venceu por 23 a 10. No pronunciamento da vitória, o então prefeito César Maia não foi nada discreto ao cutucar São Paulo. “As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”, comentou, fazendo referência a uma famosa frase de Vinícius de Moraes.
No final das contas, São Paulo viu pouco do que se imaginou há 13 anos. A oferta de arenas esportivas mudou bastante, com a reconstrução do Palestra Itália e o surgimento da Arena Corinthians. Isso praticamente mata a ideia de um novo estádio olímpico para 75 mil pessoas por falta de usuário para essa estrutura. Se a capital paulista fosse entrar em uma candidatura olímpica, provavelmente teria de usar algum estádio já existente (o candidato mais lógico seria o Morumbi) renovado para receber as provas de atletismo.
Mas isso é o de menos. Pior foi que, das promessas de infraestrutura que “seriam feitas de qualquer forma”, quase nada existe. Houve um grande incremento da rede de ciclovias e está em andamento o projeto de construção de um ginásio no Anhembi, mas as linhas de metrô ainda não foram entregues, não foram criados 30 parques novos e os rios seguem poluídos. E pensar que era para isso tudo estar pronto em 2012, quatro anos atrás.
* Todos os valores indicados são da época (2003)