Um arranha céu atrás do outro. Apenas gruas parecem concorrer por espaço, mas elas estão ali justamente para erguer mais um arranha céu. São sinais claros de uma economia em expansão, com setor corporativo em crescimento e mercado imobiliário aquecido. É uma paisagem comum em cidades chinesas, mas também pode ser vista na América Latina. Não é em São Paulo, Rio de Janeiro Cidade do México, Buenos Aires, Santiago ou Bogotá. É na Cidade do Panamá, a cidade que mais cresce na região.
A capital panamenha viveu um boom no mercado imobiliário nos últimos anos, reflexo de uma economia que chegou a crescer mais de 10% ao ano. Por um tempo, esse era o motivo principal para se falar de Panamá na imprensa internacional. Até que, no início deste mês, a revelação de diversos documentos sobre como o país era usado por empresas offshore que buscavam fugir dos impostos em seus países de origem roubou a cena.
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O desenvolvimento do Panamá e de sua capital sempre tiveram por característica esse papel de intermediário em atividades econômicas. Localizada no trecho mais estreito de terra entre o Oceano Atlântico e o Pacífico, e bem no meio das duas Américas, era um ponto comercialmente estratégico.
No período colonial, os espanhóis fundaram a cidade como uma parada no caminho do ouro retirado no Peru em direção à Espanha. Na década de 1850, era mais rápido e menos desgastante descer de barco ao Panamá, atravessar o istmo e subir pelo Pacífico até a Califórnia durante a Corrida do Ouro do que atravessar todos os Estados Unidos por terra. Por isso, era evidente que havia uma demanda pela construção de um canal, e foi o que aconteceu (em um processo que teve, antes, a separação do Panamá da Colômbia).
O canal foi construído em 1914 e rapidamente a economia panamenha começou a criar o modelo que a caracteriza até hoje. A Standard Oil, maior petrolífera da época, usava o Panamá como ponto de travessia de seus navios. Em 1919, o país começou a registrar navios da empresa. Com isso, o serviço de transporte da Standard não respondia mais às leis tributárias, trabalhistas e civis americanas. Ou seja, menos impostos, salários menores e até permissão de consumo de bebida alcoólica durante a Lei Seca nos EUA. Outras empresas passaram a adotar a mesma prática e, em 1927, o governo panamenho criou leis para que Wall Street também usassem o país para contornar as leis americanas. Assim surgia um paraíso fiscal.
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Essa política fiscal começou a dar resultados mais concretos na década de 1970, com mais um pacote de leis para atrair empresas e empresários dispostos a fugir de impostos e esconder suas atividades. Em seguida, o Panamá se tornou destino do dinheiro de cartéis de tráfico de Colômbia e México e de ditadores como Ferdinando Marcos (Filipinas) Papa Doc Duvalier (Haiti) e Augusto Pinochet (Chile), uma relação que sujou o nome do país no mercado internacional e motivou os Estados Unidos a derrubar o presidente/ditador Manuel Noriega.
Obs.: Aproveitando o momento, o advogado alemão Jürgen Mossack criou uma empresa de serviços corporativos em 1977. Em 1986, ele se associou ao panamenho Ramón Fonseca.
O cenário começou a mudar na década de 1990, mas a economia sempre manteve a vocação panamenha de facilitar o caminho dos outros. O canal recebeu um projeto de expansão (inauguração prevista para junho deste ano) e a Copa Airlines se transformou na segunda maior empresa do país ao assumir o papel de principal hub entre as Américas do Norte e do Sul. O avanço da companhia aérea também ajudou o turismo, se aproveitando das belezas naturais e históricas da capital e arredores.
Mas o maior crescimento foi nos serviços bancários, atraídos pelos baixos impostos. O aumento de empresas com sede no Panamá impulsionou o setor imobiliário. No final da década de 2000, nove dos dez arranha céus mais altos da América Latina estavam na Cidade do Panamá. Entre 2009 e 2014, o estoque de conjuntos comerciais na cidade triplicou e a oferta de quartos de hotéis cresceu 61% apenas em 2012 e 2013.
O problema é que uma economia como a panamenha não precisa de estrutura física para tantas empresas. Muitas delas são apenas documentos em companhias como a Mossack Fonseca. Não houve demanda para responder à especulação imobiliária e, desde 2015, a Cidade do Panamá vê excesso de imóveis comerciais vazios. Uma crise que pode ficar ainda pior dependendo dos efeitos da revelação dos Panama Papers na imprensa mundial.