Imagine que este texto mudasse de acordo com o lugar da cidade onde você está. Se os exemplos que eu usasse aqui fossem automaticamente adaptados para sua localização no mapa. Eu sei, parece distante, distante. Mas já existe um curso sobre histórias geolocalizadas  sendo ensinado em Nova York.

É a era dos beacons – aparelhos que redefinem a relação entre os lugares em que vivemos e a tecnologia que usamos. No jornalismo, as possibilidades são gigantescas. Mas em outras áreas também. Imagine que você esteja fazendo muitas buscas sobre cereais orgânicos no Google. E imagine que você autorizasse seu celular a se comunicar com beacons. Pois é. Os supermercados naturebas poderiam te avisar quando o cereal bonitinho estivesse disponível. Eu já escrevi sobre isso no Gizmodo Brasil. E acho que esse é um assunto, com todos os seus aspectos, que vai ser cada vez mais presente aqui no Outra Cidade.

Eis o texto para o Gizmodo:

Eu já falei que sou obcecado com cérebros e com robôs. Contei isso no meu primeiro texto para o Gizmodo sobre o SXSW, a micareta de inovação que acontece todo ano em Austin, a capital do Texas. Também já falei que tenho uma enorme dificuldade em fazer aquele networking maroto em eventos assim. Pois bem, sempre tem mais TERAPIA em público. Agora vamos falar de outra obsessão. Sou maluco por cidades.

Uma das conferências mais interessantes das quais participei no SXSW, o South by Southwest, esse simpático trava-língua americano que virou nome de um festival incrível, foi sobre cidades responsivas. Isso aí, isso mesmo.

Quando a gente muda a lente, começa a ver os problemas de outro jeito. Hoje, nossas cidades são silenciosas. Nós falamos com elas, nós agimos por elas, mas elas não falam — pelo menos não diretamente. Sou eu que procuro o restaurante, não é o restaurante que me procura pelo meu celular. Sou eu que procuro o ponto de ônibus, e não o ponto de ônibus que me diz “Ei, pode vir aqui. Se você fez essa busca no mapa, eu tenho o ônibus certo para você e ele vai passar daqui a pouco. Corra, meu velho”.

Não sei se você tem esse nível de intimidade com seu ponto de ônibus hoje — nem sei se ele será capaz de ser tão gentil no futuro. Mas o fato é que já tem muita gente pensando em jeitos de conectar cada canto da cidade com os aparelhos que você carrega no bolso.

A discussão sobre cidades interativas foi grande no festival. Se você lê em inglês, esse link sobre cidades inteligentes é bem útil. Mas vou resumir aqui também. A chave é o LTE Direct, o protocolo que os smartphones usam para se comunicar com as torres de celular. Uma mudança nele pode ter impactos grandes.

O LTE Direct tem sido desenvolvido pela Qualcomm, uma empresa gigantesca de semicondutores especializada em comunicação sem fio. Basicamente, ela se propõe a conectar tudo que seja possível. A tecnologia LTE Direct tem um alcance de 500 metros, superior ao que existe hoje em wi-fi e bluetooth, e permitirá que as cidades comecem a falar. Tudo que está equipado com LTE Direct poderá se comunicar com smartphones.

O objetivo é fazer com que esse protocolo seja usado para permitir a comunicação direta entre aparelhos e objetos, sem precisar passar pelas torres de celular. Seria por meio desse protocolo que seu aparelho poderia falar com o ponto de ônibus. Ou, extrapolando bastante, falar com o restaurante da esquina. Vários pontos na cidade poderiam ficar transmitindo informação, como se fossem TVs. Esses dados conversariam com seu smartphone e, caso o papo fosse relevante, te enviariam uma notificação. Se você andou procurando um restaurante para jantar com ela ou com ele, seu celular poderia receber uma notificação quando você estivesse andando na rua e passasse perto de um restaurante romântico.

Algumas cidades, como Nova York, já estudam como usar essa tecnologia. A previsão mais otimista é que, até o final de 2015, o LTE Direct já esteja sendo usado em alguns lugares.

E agora? 

Isso levanta uma série de questões, claro. Privacidade é uma delas. Imagine que o seu primo, sabe como é, tenha usado seu celular para ver pornografia. Aí você passa em frente de um sex shop e passa a receber alguns alertas de lançamentos pornôs. Pode acontecer? Pode. Também levanta uma série de questões sobre infraestrutura. Daqui a alguns anos, a infraestrutura de comunicação será muito maior e mais complexa. Como vamos administrar esses sistemas? Quem vai cuidar desses dados? Como essas informações serão usadas?

Conectar as cidades é um negócio sensacional. Mas, como você sabe, toda grande mudança traz uma série de novas perguntas. E aí aquele meu lado desconfiado começa a apitar — junto com o meu lado que fica maravilhado com as possibilidades que essas conexões vão permitir. Eu, que me perco muito fácil e nunca acho o ponto de ônibus numa cidade estranha, vou ter um problema de décadas resolvido.  Mas também fico meio cabreiro com cada canto da cidade falando com meu celular várias vezes por dia…