O que é? O projeto Cidade Ativa realizou analisou 14 escadarias na região de Jardim Ângela. O estudo faz parte de uma série coordenada pelo Instituto Cidade em Movimento (uma entidade internacional, tanto que a sigla IVM vem do francês Institut pour la Ville en Mouvement) para avaliar o impacto da implantação do corredor de ônibus da estrada do M’Boi Mirim, zona sul de São Paulo, e fazer um levantamento das conexões possíveis entre BRT e bairro.
A comunidade e os seus degraus
O escadão da Ribeirão dos Frades é um ponto onde os jovens se reúnem para usar o sinal de wi-fi aberto de uma casa vizinha. Franklin, morador do Morro do Índio, considera que a escadaria Viela do Carmo é uma via importante de acesso, “as outras são muito ruins, pelo morro de terra”. Na escadaria Cabral, crianças brincam de escorregar, pais esperam os filhos saírem da escola no topo do escadão Pereira Machado e a Nakamura é usada como extensão do espaço privado das casas, onde os moradores saem para tomar sol e estender as roupas para secar.
As escadarias são elementos fundamentais no dia a dia do Jardim Ângela, bairro da zona sul de Sâo Paulo. Elas são mais que ligação entre pontos de alturas diferentes, são espaços que a comunidade ocupa e utiliza. Para estimular a inserção das escadarias do bairro do Jardim Ângela nos trajetos cotidianos dos moradores, o projeto Cidade Ativa realizou uma pesquisa que avaliou 14 escadões e planeja realizar intervenções em um deles com a ajuda da comunidade.
Ao todo, o estudo avaliou 11 escadarias na região do Morro do Índio e três no Jardim Nakamura, sendo que oito se encontram dentro de favelas – segundo os critérios básicos para avaliar a qualidade de espaços públicos. Além da avaliação técnica, a comunidade local também foi ouvida e convidada a dar uma pontuação para os espaços que faziam parte de seus trajetos.
Os dois bairros foram escolhidos porque ficam dentro do perímetro a ser atendido pelo projeto do corredor de ônibus da estrada do M’Boi Mirim. A pesquisa do Cidade Ativa faz parte de uma série de estudos de acessibilidade coordenados pelo Instituto Cidade em Movimento (IVM) na região, dos quais também participaram a Red Ocara e a Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Os moradores do Jardim Nakamura fizeram avaliações críticas da infraestrutura e aspectos de limpeza e iluminação. Eles se sentem inseguros e alguns preferem ir por caminhos alternativos mais longos para evitar passar por ali. O tamanho dos escadões, padrão dos degraus e mesmo ausência de corrimãos não foram alvo de críticas tão duras se comparados aos critérios relacionados com a segurança.
No Morro do Índio, a comunidade possui uma visão mais positiva que os técnicos do Cidade Ativa. As escadarias chegaram a quatro pontos de um total de cinco. Eles apontaram que a iluminação artificial como fator importante para aumentar a sensação de segurança. A falta de visibilidade entre os espaços foi apontada como responsável por assaltos nas estruturas. A ausência de mobiliário urbano não impede que moradores se reúnam nesses locais e a sujeira é apontada como motivo para considerar os escadões pouco atrativos.
Como a região é muito carente, as crianças não têm onde brincar, o que faz com que a escadaria tenha um papel fundamental como criador de oportunidade de lazer e convívio.
Gabriela Callejas, do Cidade Ativa
Depois dessa primeira etapa da pesquisa, foram escolhidas quatro escadarias nas quais o estudo seria aprofundado – Palhal, Cabral, Nakamura, Pereira Machado – as duas primeiras no Morro do Índio e as últimas no Jardim Nakamura. Elas foram escolhidas, entre outros motivos, por conta da relação do estudo com o projeto para implantação do BRT e seu papel na acessibilidade ao corredor e ao terminal Jardim Ângela.
Os escadões que dão acesso ao terminal, Cabral, Palhal e Nakamura, têm fluxo constante, enquanto a Pereira Machado tem mais movimento durante os horários de entrada de alunos da escola de mesmo nome. Cabral e Nakamura, localizadas em região de ocupação informal onde se encontram as entradas principais de várias casas, são as duas principais vias de acesso usadas pelos moradores entre o bairro e o transporte público nos dias úteis e aos fins de semana e também as que mais apresentaram usos de permanência.
Nas escadarias Palhal e Pereira Machado foram identificadas a presença de degraus muito altos e falta de patamares, que desestimulam o seu uso nas subidas. Embora tenham tido dificuldades em imaginar melhorias para serem implantadas nas escadarias, 80% dos entrevistados disseram ter interesse em participar das oficinas para pensar em possíveis intervenções.
A última escadaria, a Pereira Machado, foi a escolhida para receber futuras intervenções que, segundo Gabriela, foram planejadas conforme as “oportunidades e desafios” identificados durante a pesquisa. Essa opção foi feita devido à aproximação entre a sua equipe e a escola estadual que leva o mesmo nome. O primeiro contato com a escola foi mediado pela Red Ocara, que realizou o estudo Caminho Escolar com os alunos. Esse envolvimento com a comunidade é considerado um fator importante para a consolidação da transformação e manutenção do espaço.
“Achamos que é possível aproveitar as capacidades que a comunidade já tem para implantar o projeto”, comenta Gabriela. “Chamamos um coletivo de grafite local para grafitar a escadaria, a escola Oscar Pereira Machado é muito ativa e pode ajudar a mobilizar e a fazer a manutenção da escadaria. Podemos fazer um levantamento das habilidades dos moradores e dividir as tarefas.”
A primeira oficina com mutirão de limpeza e decoração do escadão foi realizada em outubro. As crianças foram estimuladas a imaginar como elas veriam o escadão através de uma janela mágica e elas acabaram desenhando na própria parede da escadaria. O escadão também ganhou poesias feitas pelos estudantes do ensino médio e um campeonato de futebol foi disputado na quadra da escola. Os alunos também foram convidados a projetar transformações na escadaria indicando os elementos que poderiam ser adicionados e onde eles poderiam ficar. Por fim, os membros do Cidade Ativa e do Ciclo SA discutiram possíveis intervenções com grafite na região. A maioria dos participantes eram alunos da escola e 93% tinham até 29 anos.
As crianças desenharam árvores, plantas, flores e bancos. No projeto proposto pelo Cidade Ativa estão previstos sombra, bancos e iluminação artificial, além de melhorias na acessibilidade, como a padronização do piso e instalação de corrimão. Também foram propostas modificações para a área no entorno, como a implantação de lombadas para obrigar os motoristas a circularem mais devagar pelas áreas próximas a escola. Na faixa de pedestres elevada, foi planejado o desenho de um campo de futebol, elemento que apareceu nos desenhos da maioria das crianças. A ideia era criar um espaço para que elas possam brincar, uma vez que o fluxo de veículos não é tão intenso.
Atividades culturais, educativas e mutirões também fazem parte da proposta para estimular a comunidade a incorporar o espaço no seu dia a dia. As atividades foram divididas em três fases, sendo a primeira composta pela instalação de elementos não estruturais e de baixo custo; a segunda de pequenas obras e instalação de equipamentos complementares e a terceira de reformas estruturais e instalação de mobiliário fixo.
As melhorias propostas com base na pesquisa priorizam a urgência e facilidade de execução, mas o próximo passo do projeto é conversar com os moradores sobre as melhorias propostas. O Cidade Ativa, que já atuou com a comunidade de Pinheiros para requalificar a escadaria da Alves Guimarães, planejou modificações no Jardim Ângela que não se restringem à área do escadão. Como não há muitas opções de lazer no bairro, além da lombada para dar mais segurança, também foi proposta a implantação de uma praça em uma esquina que seria viabilizada ao redefinir o traçado da via. O estudo das escadarias, assim como os outros coordenados pelo IVM no bairro, foi apresentado no Seminário Internacional Jardim Ângela, no qual o secretário de obras de São Paulo, Roberto Garibe, esteve presente. Na ocasião, o secretário disse que estava aberto a tornar o projeto do BRT mais aberto às demandas da população local.