Milhões de pessoas chegando ao Brasil para ver futebol, festejar, injetar alguns milhões na nossa indústria do turismo e serem picadas pelo Aedes aegypti. É fácil perceber como a Copa do Mundo de 2014 está diretamente relacionada à entrada do vírus da febre zika no País. Só que… não está. É o que identificou um estudo realizado por 57 cientistas de diversas nacionalidades sobre como a doença chegou em território brasileiro e se espalhou.
A versão de que a Copa do Mundo de 2014 ou uma competição de canoagem realizada no Rio de Janeiro em agosto do mesmo ano teriam sido os vetores do zika era sustentada pela cronologia conhecida. Os primeiros casos identificados da doença datam de maio do ano passado, e o próprio Ministério da Saúde sustentava a tese de que o vírus teria entrado no Brasil entre o segundo semestre de 2014 e o começo de 2015. Considerando o fluxo de turistas vindo de todas as partes do globo, incluindo Polinésia Francesa e Sudeste Asiático, regiões que tiveram surtos recentes do zika, para ver o Mundial de futebol, era fácil ligar os pontos.
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É essa linha do tempo que caiu por terra no estudo “Zika virus in the Americas: Early epidemiological and genetic findings” (“Vírus zika nas Américas: primeiras descobertas epiodemiológicas e genéticas”), publicado na revista Science na última semana. A pesquisa, que contou com a participação de cientistas de Brasil (do Instituto Adolfo Lutz, da Fundação Oswaldo Cruz, do Instituto Evandro Chagas, do Ministério da Saúde e da Universidade Estadual de Feira de Santana), Reino Unido, Canadá e Estados Unidos, fez o mapa genético do vírus em diferentes pacientes para se definir uma trajetória de contaminação. Outro objetivo da pesquisa era descobrir em que momentos da gestação o zika pode causar danos ao desenvolvimento do feto.
Foram coletadas amostras em sete pacientes brasileiros: quatro casos comuns, um de um bebê que nasceu com microcefalia, um de um adulto que morreu de complicações de encefalite após contrair o zika e um de uma pessoa que havia doado sangue. Os dados genéticos foram comparados com nove casos em outros países: seis no surto recente nas Américas, um na Polinésia Francesa, um na Tailândia e um nas Ilhas Cook.
Os dados mostraram que o vírus encontrado no Brasil é muito semelhante ao das Américas, e bastante diferente do caso tailandês. Isso é consistente com a versão de que a epidemia de zika nas Américas teve início no Brasil, aonde ela provavelmente teria chegado por meio de poucos portadores, eventualmente um só.
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Pela análise das mutações sofridas, os cientistas estabeleceram como momento dessa entrada seria entre maio e dezembro de 2013, um ano antes do imaginado até então. O motivo dessa demora em detectar a doença seria o pequeno número de casos nos primeiros meses, induzindo médicos a diagnosticá-los como dengue.
A cronologia descoberta pelo estudo descarta a versão de que a Copa do Mundo teria sido o vetor do zika, mas abre a possibilidade para a Copa das Confederações. Até porque o torneio, disputado em junho de 2013, teve a participação da seleção do Taiti, um dos locais que mais sofreram com o zika naquele ano. E os taitianos fizeram uma partida em Recife, uma das cidades que mais sofrem com a epidemia. No entanto, o surto da doença na Polinésia Francesa ocorreu do final de 2013, depois da realização do torneio de futebol.
Por isso, os pesquisadores tratam como improvável que o vírus tenha entrado no Brasil durante a Copa das Confederações. Para eles, a maior chance é que o zika foi transmitido a partir de um turista comum. Entre o segundo semestre de 2013 e o começo de 2014, houve um aumento de 50% no número de visitantes de regiões afetadas pelo zika em relação aos 12 meses anteriores. Só das Filipinas, foram mais de mil visitantes mensais em 2013. A pesquisa não tem dados suficientes do vírus filipino, mas aprofundar as análises genéticas e cruzar com dados de voos e cruzeiros com esses turistas pode apontar os prováveis pontos de entrada da doença em solo brasileiro.
As informações tiram o zika da lista de legados negativo da Copa do Mundo do Brasil, e isso é importante. Não pelo evento esportivo em si – ainda mais porque o Rio de Janeiro sediará outro em agosto, os Jogos Olímpicos –, mas porque dá mais elementos para compreender onde e como a doença chegou ao País e quanto tempo levou para o primeiro caso se transformar em epidemia. Um dado fundamental para o desenvolvimento de vacinas e futuras políticas de saúde pública para controle dos vetores de transmissão.