O que é? É época de reajuste no preço do transporte público nas principais cidades brasileiras e alta da inflação é apontada como principal culpada pelo aumento do custo para os passageiros. Como é um argumento que se repete toda vez que o valor da passagem sobe, recuperamos as tarifas das maiores capitais em 1996 para verificar se os aumentos têm acompanhado a inflação desde que o real tinha dois anos de vida e valia mais que o dólar.
Só uma cidade abaixo da inflação
O início de 2016 foi marcado pelo aumento da tarifa do transporte público em cidades como Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis, Recife, Belo Horizonte, Natal, Salvador e Brasília. As altas na passagem de ônibus motivaram protestos e questionamentos a respeito da composição tarifária. O ajuste de preços é normalmente feito para acompanhar a inflação, mas nem sempre se limita a cobrir o acúmulo anual. Ainda mais em uma comparação de longo prazo.
Para identificar esse padrão, pegamos o valor em 1996 da passagem de ônibus das 20 capitais com região metropolitana mais populosas do Brasil. Depois, comparamos com o valor atual. Em apenas uma cidade o aumento acumulado do passe não foi maior que a inflação real do período. E, na maioria dos casos, a diferença nem foi pequena.
Em Goiânia, por exemplo, o aumento de R$ 3,30 para 3,70 que entrou em vigor esse ano, se deu, oficialmente, por causa de um déficit de R$ 100 milhões nas contas das empresas que operam o serviço. Na última terça-feira (23) o ajuste foi suspenso pelo juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, atendendo ao pedido feito pelo Ministério Público (MP-GO). Ainda assim, os goianienses viram sua cidade se tornar a grande capital a acumular maior aumento real no preço do passe do transporte público nos últimos 20 anos. A passagem, que custava R$ 0,46 em maio de 1996, teve uma inflação de 617,39% nessas duas décadas. O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) do período foi de 260,87%. Se o bilhete em Goiânia tivesse acompanhado a inflação, custaria R$ 1,66.
Há 20 anos, a passagem de ônibus mais cara das principais capitais brasileiras era a de Brasília, R$ 0,90, e a mais barata era a de João Pessoa, onde os passageiros pagavam R$ 0,39 para embarcar. A capital federal tem um sistema de tarifa no qual a cobrança varia conforme a distância percorrida, em quatro faixas diferentes, que vão de R$ 2,25 a 4. Se considerarmos o valor de R$ 3 como o pago pela maioria dos usuários, os brasilienses são os únicos a verem um aumento inferior à inflação, ficando 26,75 pontos percentuais abaixo do acúmulo do período.
Em Recife, os ônibus que conectam os bairros ao centro fazem parte do anel A do transporte público, por onde circulam aproximadamente 85% dos passageiros, que pagam R$ 2,80. O valor atual é resultante de um aumento de 14,42% cobrado desde 18 de janeiro de 2016, foi suspenso oito dias depois e voltou a valer antes mesmo que as pessoas tivessem a chance de comprar passes pelo preço antigo.
Segundo a prefeitura de São Paulo, 53% dos usuários do transporte público foram impactados pelo último aumento de R$ 3,50 para 3,80. Os demais passageiros são isentos ou utilizam as modalidades temporais de bilhete único (mensais, semanais e 24 horas) escolhendo entre usar só ônibus ou metrô pagando R$ 140 por 44 viagens, ou seja, pagando os mesmos valores que eram praticados antes dos aumentos de 2015 e 2016. Em Florianópolis também há uma diferença entre o valor pago pelo passe no ato da recarga do bilhete, que é de R$ 3,34, e o pago para no embarque, R$ 3,50.
Ainda que o valor da tarifa de ônibus tenha uma lógica própria, seria esperada alguma proximidade com a trajetória da inflação. Um aumento de combustível, principal insumo das viações, tem impacto direto no transporte público, mas também atinge a inflação geral por encarecer o frete de produtos. Além disso, a própria passagem é um elemento importante para aumento de preços de diversos setores, pois muitas empresas dão vale transporte como benefício a seus funcionários e precisam repassar essa despesa extra para seus consumidores.