A narrativa da cidade dividida fisicamente é forte, sobretudo como símbolo de uma separação que envolvia o mundo inteiro. O Muro de Berlim tem imagem muito marcante, mas sua queda não significa que não existam mais grandes cidades com paredões internos para segregar dois lados, mesmo na Europa. Nicósia, por exemplo, continua no meio da briga entre turcos e gregos pelo Chipre. Mas um outro sistema de muros começa a seguir o caminho do alemão.
Em Belfast, barreiras separam católicos de protestantes. Os britânicos gostam de usar eufemismos para tratar da violência, terrorismo e opressão de caráter político-religioso na Irlanda do Norte. Assim, todos os atritos eram chamados de “Os Problemas” (“The Troubles”) e o muro que se tornaram parte da paisagem urbana na capital norte-irlandesa viraram as “Linhas da Paz”.
A primeira dessas “linhas” foi construída pelo exército britânico há mais de 40 anos. As barreiras que dividem o município chegam a ter cinco metros de altura e continuaram a aumentar em número mesmo depois do acordo de paz de 1998. Um estudo de 2012 contabilizou mais de 100 muros, grades, cercas e estradas que funcionavam como fronteiras entre comunidades de Belfast. A região norte da cidade tem aproximadamente 10 km² e concentra quase metade dos muros. Não há mistura: a maior parte dos moradores vivem em ruas que são 90% católicas ou 90% protestantes.
A Rede de Contato do Norte de Belfast, um grupo que realizou um mapeamento das Linhas da Paz, tenta melhorar a comunicação nessas fronteiras religiosas trabalhando na dispersão de tensões entre os dois lados – tudo por telefone. A iniciativa conseguiu que um portão fosse aberto em uma cerca de ferro no Parque Alexandra, que recebeu esse nome em homenagem à princesa britânica.
Os muros começaram a ser construídos no final dos anos 1960, quando ocorreram marchas civis que denunciavam a discriminação dos católicos irlandeses pelas autoridades do Reino Unido. As manifestações foram duramente reprimidas pela polícia, iniciando uma série de conflitos violentos entre católicos nacionalistas e protestantes unionistas nos quais mais de três mil pessoas morreram. A capital da Irlanda do Norte não é único lugar do país que possui grupos religiosos separados por barreiras físicas. Elas também estão presentes em bairros de Londonderry (Derry City para os católicos), Lurgan e Portadown.
Hoje o país é governado por um primeiro ministro do Partido da União Democrática, ligado a igrejas protestantes, e um vice-primeiro-ministro do Sinn Fein, o ex-líder do IRA (Exército Republicano Irlandês, um grupo terrorista que encerrou atividades) Martin McGuinness. Em 2013, os dois assumiram o compromisso de acabar com todas Linhas da Paz até 2023. Mas parece que erguer é mais fácil que derrubar, considerando que a primeira barreira caiu só no mês passado.
Pesquisas feitas em 2012 e 2015, antes e depois do anúncio do governo, indicam que houve um aumento na proporção de habitantes das cidades divididas que desejam que as linhas permaneçam onde estão – de 22% para 30%. Ainda assim, 49% responderam que desejam a derrubada dos muros em 2015.
A primeira das linhas derrubadas tinha sido erguida há 30 anos no norte de Belfast e seu processo de remoção deve ser concluído em junho. Com o levantamento das barreiras, regiões protestantes da cidade foram esvaziados no oeste da cidade, pois muitos moradores preferiram se mudar para os subúrbios. A demanda por moradia nas porções católicas, como resultado, é muito maior que na fração protestante. Ao mesmo tempo, há avenidas mistas de convivência pacífica entre vizinhos sem a necessidade de intervenções físicas.
A construção de bairros misturados e um programa de atividades esportivas para os jovens das duas religiões são duas das medidas previstas para combater a segregação entre as comunidades. A derrubada das barreiras físicas parece atender a um anseio da população, mas a convivência entre católicos e protestantes também depende da tomada de medidas adicionais, que não necessariamente devem partir de iniciativas do governo central, para promover a integração.