O que é? Um incêndio destruiu um dos prédios da Estação da Luz, justamente no local em que ficava o Museu da Língua Portuguesa, na região central de São Paulo. Uma tragédia que lembra um outro momento crítico na trajetória dessa edificação histórica: o grande incêndio de 1946.
Queima de arquivo, literalmente
O prédio da Estação da Luz se exibe imponente na Avenida Tiradentes. Com sua arquitetura inglesa e uma grande torre, é uma das marcas da paisagem do centro de São Paulo. Mas, nesta segunda, ele mal podia ser visto. Tudo o que se percebia eram as chamas que mataram um bombeiro e consumiam a edificação, principalmente na ala em que está o Museu da Língua Portuguesa, um dos mais visitados do Brasil.
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As consequências do incêndio não haviam sido calculadas até o fechamento deste texto, mas só uma observação externa já passa uma sensação de que muito foi perdido, tanto no museu inaugurado em 2006 quanto no edifício de 1867. O MLP tem acervo digital e, segundo sua curadora, Isa Ferraz, há cópias dos arquivos em outro local. O prédio não tem tanta sorte assim. Mas não será um processo inédito para ele. Muito menos para o terceiro andar do museu, o mais visto nas imagens da TV nesta segunda.
A Estação da Luz foi construída pela São Paulo Railway, empresa de capital britânico que tinha o direito de exploração das linhas férreas entre Santos, São Paulo e Jundiaí. O acordo de concessão foi assinado em 1856, com duração de 90 anos. Assim, em 1946, toda a estrutura seria repassada ao governo federal.
O contrato da devolução seria assinado em 8 de novembro, mas, na madrugada do dia anterior, um incêndio “pavoroso” (termo utilizado por dois jornais da época) destruiu a Luz. O fogo teve início nos escritórios da SPR, localizados no bloco administrativo da estação (justamente onde foi montado o Museu da Língua Portuguesa), às 2h05 da manhã. Em menos de uma hora, a torre já estava dominada pelas chamas. O combate demorou mais de seis horas e cinco bombeiros ficaram feridos na operação.
A destruição foi quase total, atingindo cabines telefônicas, depósito de bagagens, posto dos correios, restaurante e até as bilheterias, onde foram encontradas moedas derretidas. Para as autoridades, a área mais preocupante era a de escritórios. Todos os documentos da SPR foram perdidos, levantando a suspeita de, literalmente, queima de arquivo.
Terrorismo?
A empresa rapidamente tentou afastar essa hipótese. John Hillman, vice-superintendente da SPR, afirmou que um curto-circuito havia causado o incêndio. Nicolau Alayon, chefe do tráfego da Estação da Luz, levantou a teoria que se tratava de um atentado terrorista da comunidade judaica, pois o movimento sionista lutava pela criação de um estado judaico na Palestina, na época uma colônia do Império Britânico.
O governo desconsiderou essas teses e seguiu sua investigação. Enquanto isso, a São Paulo Railway era transferida para o governo federal, transformando-se na Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, ligada à RFFSA (Rede Ferroviária Federal, estatal responsável pelas linhas férreas no Brasil). A polícia manteve a ideia de que se tratava de um incêndio criminoso para esconder o registro de operações supostamente irregulares da SPR, mas não conseguiu provar nada.
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A reconstrução da Estação da Luz foi feita pelo governo federal e só foi concluída em 1951. A arquitetura original foi preservada, mas com alterações significativas. A principal foi no prédio administrativo, com a construção de mais um andar. O terceiro, justamente o mais destruído nesta segunda.
Desde então, a estação passou por diversas transformações. Suas instalações ficaram degradadas após décadas de virtual abandono, mas foi recuperada na década de 1990 com um projeto do arquiteto Paulo Mendes da Rocha. O mesmo que trabalhou nas adaptações do edifício para a chegada do Museu da Língua Portuguesa, em 2006.