Se você esteve se perguntando do que uma cidade necessita para viabilizar a circulação de carros sem motorista, Pittsburgh está aí para mostrar que não é preciso muito. Na cidade norte-americana, a participação das autoridades locais se resume a não ficar no caminho da iniciativa privada interessada em fazer os testes que suas ruas terão a honra de receber. E, se pintar a oportunidade, entrar um pouco no embalo de maneiras não muito claras.
Pouco antes de o Uber anunciar, no mês passado, que uma frota de 100 carros Volvo modificados passaria a transportar seus passageiros de Pittsburgh, o prefeito Bill Peduto e o assistente-chefe da polícia local, Scott Schubert, foram convidados para dar uma volta. Segundo reportagem do New York Times, Shubert teve que assinar um acordo de não divulgação, enquanto Peduto foi informado dias antes de a empresa anunciar a decisão de colocar os carros autônomos para rodar com clientes Uber.
São sinais claros de que não houve muita participação da administração municipal no processo. Além dos dois, nenhum outro servidor viu de perto como funcionarão os automóveis. Nenhum anúncio foi feito pelo setor público a respeito deles – nem os bombeiros, nem os serviços de emergência sabem por onde a novidade irá circular.
Na corrida para se tornar um pólo tecnológico amigável para empresas como Apple, Google, Intel e Uber realizarem seus testes, algumas cidades acabaram sendo rejeitadas, apesar de prometerem facilidades e removerem obstáculos ao avanço dos veículos sem condutor. Ontário anunciou no ano passado que seria a primeira região do Canadá a permitir a circulação desses automóveis em vias públicas, mas chegou tarde em comparação aos Estados Unidos, onde a Alphabet, dona do Google, testa seus veículos desde 2009. A iniciativa privada não se interessou e o programa não recebeu nenhuma candidatura.
Apesar de não participar ativamente dos testes e da operação, a administração pública de Pittsburgh fez questão garantir ao Uber o benefício da rédea solta. Essa combinação, que faz da cidade um lugar perfeito para abrigar os protótipos, começou a ser colocada em prática no início de 2014, quando Peduto e outros prefeitos norte-americanos lutaram contra uma comissão que propôs o banimento dos serviços de transporte individual sob demanda como Uber e Lyft. Os esforços foram reconhecidos pelo executivo-chefe do Uber, Travis Kalanick, aproximando a empresa do governo da cidade que ficou famosa pela indústria metalúrgica. Na conferência da Liga Nacional das Cidades, em 2015, o prefeito de Pittsburgh chegou a pedir a Obama que apoiasse os testes de veículos autônomos e falou sobre as pretensões de seu município.
Hoje há áreas reservadas para passageiros do Uber e Lyft aguardarem seus carros no aeroporto local. A polícia e a administração pública estão trabalhando com a empresa para que um quiosque de espera para usuários do serviço que preferem não dirigir alcoolizados seja instalado em um bairro conhecido pela intensa vida noturna.
Atualmente 500 funcionários do Uber trabalham no desenvolvimento de carros autônomos no município. A empresa, que chegou em Pittsburgh em 2015, planeja dobrar o seu quadro de empregados e alavancar investimentos de até US$ 1 bilhão nos próximos anos. Além de ser a sede da Carnegie Mellon, universidade que inaugurou seu departamento de robótica há mais de 30 anos, a cidade também possui um atrativo legal para a realização de testes com carros autônomos: o estado da Pensilvânia não proíbe explicitamente a circulação de veículos sem motorista.
No entanto, os testes com carros autônomos serão feitos com um monitor humano atrás do volante. Os automóveis autônomos estão rodando a cidade há meses, com o objetivo de fazer com que as pessoas se acostumem com a sua presença. Além desses passeios de reconhecimento, poucos esclarecimentos têm sido prestados à população, que está involuntariamente participando de um experimento que oferece potenciais riscos a sua segurança.