A surpresa: A vida urbana no Brasil foi bastante transformada com a ascensão e consolidação dos shoppings – que continuam crescendo. Mas, contrariando essa tendência, shoppings com corredores inteiros de vitrines vazias estão aparecendo – e são obrigados a buscar alternativas para se manter em Sorocaba, no interior de São Paulo. Camila Montagner conta como os shoppings se multiplicaram no município de 610 mil habitantes e as alternativas que outras cidades com centros de compras ociosos usaram para reaproveitar essas estruturas. Afinal, a estrutura já está lá. O nó é como usá-la da melhor forma possível.
A solidão
Na metade de janeiro, estive no Shopping Villàggio, em Sorocaba, para almoçar com um grupo de amigos. Não foi fácil encontrar uma mesa livre e tivemos que nos dividir entre aqueles que iriam garantir o lugar para sentar e os que iriam buscar comida – uma situação tão prosaica que sequer seria digna de comentário. Não seria se, em agosto, visitando o mesmo local, eu não tivesse encontrado apenas um cliente na praça de alimentação numa sexta-feira ao meio-dia. Até então eu nem me lembrava que tinha estado ali há sete meses, porque naquele fim de semana de verão nada excepcional havia chamado minha atenção. Desta vez, não acredito que eu vá me esquecer tão cedo do que vi ali.
As opções para o almoço agora são comer no McDonald’s ou pegar o elevador (a escada rolante de descida foi desativada) até o Applebee’s. Um cinema, a Nobel Livraria, uma Siberian e o quiosque de sorvete ocupam os poucos espaços que ainda estão abertos nos pisos dedicados às lojas. No quarto andar há um centro médico onde atendem 14 profissionais da área da saúde. O cardiologista e proprietário do shopping, Sérgio Rocco, também instalou sua clínica no local.
Nos corredores escuros e vazios ainda dá para identificar alguns nomes do varejo que deixaram o shopping. A lojista Mery Agelozzi Petruz resolveu fechar o estabelecimento no ano passado porque o volume de vendas não chegava a dar lucro e rendia apenas o suficiente para pagar as despesas. Ela estava insatisfeita com o movimento, principalmente durante os dias da semana. No mesmo centro de compras, 20 outras lojas encerraram as atividades ou mudaram de endereço durante o mês de janeiro. Um empregado me conta que, em média, o estacionamento contabiliza dez clientes por dia.
No Shopping Plaza Itavuvu, inaugurado em 2012, o movimento é um pouco maior e tem música tocando. As mesas estão todas vazias, é quase uma hora da tarde e a quem tem fome só resta o Burger King. Na porta automática, um aviso com os horários de funcionamento, que não incluem os domingos e feriados. São poucas as vitrines iluminadas: uma loja de quebra-cabeças, outra do Boticário e a Brasil Cacau, perto do estabelecimento do clube São Bento. As duas unidades da Unimed, uma para agendar atendimento e outra para a retirada de guias, são as maiores responsáveis pelo movimento fora do mercado Sonda anexo à área do centro de compras. Uma clínica de radiologia odontológica e um centro médico também atendem no local.
O tamanho do boom
Há duas décadas, a ideia de que os shoppings de Sorocaba ficariam com corredores inteiros de vitrines vazias pareceria absurda. Eu me lembro bem de quando minha família se debandava lá da minha cidadezinha no interior para fazer compras nas lojas de departamento do Esplanada, que era o shopping mais próximo, mesmo ficando a mais de 100 quilômetros dali.
A gente sempre acabava encontrando conterrâneos no meio da multidão, às vezes outros tios e primos, porque o desenho da minha árvore genealógica nunca coube numa folha A4.
Em 2002, Itapetininga, que tem 123 mil habitantes, inaugurou seu primeiro (e único) shopping, encurtando em 70 quilômetros o caminho. O centro de compras que eu conhecia de criança também já não é mais o mesmo: depois de aumentar em mais de 39 mil m² a sua área locável, foi reinaugurado para se tornar o Esplanada Iguatemi.
Se contarmos com essa expansão, cinco entre os oito centros de compras da cidade foram abertos a partir de 2010. Atualmente Sorocaba possui aproximadamente 1200 espaços para lojistas dentro desses centros de compras. É a terceira cidade do Estado de São Paulo com o maior número de shoppings, atrás apenas da capital e de Campinas.
Dados da Associação Brasileira de Shoppings Centers indicam que, no fim de 2014, 49% dos centros comerciais estavam localizados em capitais brasileiras e 51% em outras cidades. Dos 25 shoppings que iniciaram suas atividades no país em 2014, apenas 6 estão nas capitais e a expectativa é que a proporção de estabelecimentos no interior dos estados chegue a 58%. Oito já foram abertos em 2015 e mais 16 novos centros de compras devem começar a funcionar nos próximos meses. Segundo reportagem do Estadão, o projeto do Shopping Tangará, que estava previsto para ser concluído esse ano em Sorocaba, foi adiado para 2017.
Próximo ao Esplanada Iguatemi, na beira da Raposo Tavares, fica o shopping mais antigo de Sorocaba, o Panorâmico. Um hotel com 250 quartos funciona em parte de seu espaço e até fevereiro desse ano o local também recebia os alunos de uma escola para concurseiros (que saiu de lá assim que o contrato de aluguel venceu). A maior parte da área locável se divide entre espaços amplos como os que ocupam uma filial da Decathlon, outra da rede atacadista Assaí e um pet shop. O proprietário, Elias Antônio José, conta que 90 dos 120 espaços para lojas estão ocupados.
Se espelhando em outras vitrines
Quando as compras não rendem, mudar totalmente a linha de atuação pode dar uma nova vida aos shoppings ociosos. Um bom exemplo é o Highland Mall, em Austin, capital do Texas. Por um tempo, ele encheu a comunidade do bairro de preocupações, por se transformar em um lugar abandonado. Até que uma instituição de ensino superior e profissionalizante de baixo custo, a ACC (Austin Community College), decidiu comprar o centro comercial para fazer dele um espaço multiuso. A ACC é mantida com recursos públicos e era vizinha ao shopping.
Ano passado, durante as eleições legislativas de novembro, os eleitores do distrito aprovaram a liberação de um fundo de US$386 milhões (quase R$ 1,5 bilhão) para serem gastos em reformas para a adaptação da estrutura. O dinheiro pagará pela instalação de um centro regional de trabalhadores, um laboratório simulador STEM (sigla para ciência, tecnologia, engenharia e matemática), um centro de mídia digital, outro de culinária e um espaço para recepções.
Envolver a comunidade local e considerar as características do entorno pode fazer toda a diferença para empreendimentos bem sucedidos – e que precisam se reinventar. Em Miami, o Design District é uma referência. Ele foi construído num bairro na região central da cidade com altas taxas de criminalidade e que, desde os anos 70, vinha perdendo lojistas para os subúrbios promissores.
Uma construtora planejou a transformação do lugar e trouxe para a área as lojas de luxo que hoje se espalham por 20 construções diferentes que reaproveitaram as estruturas dos prédios históricos característicos da região. Com comércio vibrante, a região voltou a ser segura.
O retorno dos grandes nomes do varejo dos subúrbios para a região central foi indicado como uma tendência pelo Citylab para as cidades americanas, incluindo aquelas nos distritos industriais. Afinal, comércio vai para onde as pessoas vão. Um comércio vazio é sinal de região vazia – ou de região pouco atraente.
Nos EUA, há uma tendência, em algumas regiões, a reinventar o espaço dos shoppings. Eles deixam de ser um centro exclusivo de compras e se incorporam à cidade de outras formas. Afinal, tem uma estrutura gigante à disposição ali.
Fim dos shoppings?
O esvaziamento dos shoppings ainda é novidade por aqui. Procurei conversar com a administração dos centros de compras de Sorocaba sobre os planos de recuperação e apenas o Plaza Itavuvu me respondeu dizendo que pretende continuar “agregando compras e saúde no mesmo espaço”. Ainda é cedo para avaliar, mas a diversificação pode ser uma boa solução de curto prazo.
As estruturas dos shoppings que estão sendo subutilizadas foram erguidas com investimentos vultuosos e sua ociosidade não beneficia ninguém. Sorocaba é essencialmente industrial, mas as compras são uma parte importante da economia: dados da Associação Comercial contabilizam que o setor movimentou 1,3 milhões no primeiro semestre. Mas é bom lembrar que há outras opções além das compras para os shoppings, assim como os shoppings são apenas uma das organizações possíveis para o comércio. O mais importante é fazê-los parte da cidade, e não uma estrutura à parte.
Quanto mais integrados à vida urbana, melhor. Afinal, uma cidade também é um conjunto de hábitos – e quanto mais habituados nós estamos em frequentar uma área da cidade, veja bem, melhor para aquela área.