O que é? Ángela León é espanhola e encontrou uma forma muito particular de se adaptar à mudança para o Brasil: conhecer a história da cidade e, ao mesmo tempo, criar outras formas de se viver nela. O resultado da experiência foi publicado no livro Guia Fantástico de São Paulo, que retrata “o lado mais cotidiano, autêntico e incrível” da capital paulista.
Outro lugar, que fica aqui mesmo
Ángela cresceu em Madri ouvindo as histórias sobre São Paulo contadas pelos seus avós maternos, que guardavam boas lembranças dos anos 1950, quando viveram aqui, mas tiveram que voltar para a Europa no início da ditadura militar. Em 2011, a crise econômica que minguava as ofertas de trabalho na Espanha impulsionou decisão de deixar o país. Ángela veio morar centro da maior cidade brasileira com o seu “companheiro”, Miguel Rodríguez, que faz parte do coletivo Brasurama.
Um das primeiras ideias que desenhou no Brasil, feitos por ela logo após sua chegada, foi a dos balanços instalados embaixo do Minhocão, do qual Ángela era vizinha. Durante o Festival Baixo Centro, ela e Miguel de fato transformaram o elevado Costa e Silva num gigantesco playground, que depois foi reproduzido no Viaduto do Chá.
Até então, eu não tinha feito muitos desenhos. Foi uma forma de conhecer a cidade, de me familiarizar e de gostar de São Paulo. É difícil, é muito diferente a relação com o espaço público, se formos comparar com a Espanha. Tem a natureza, coisas super legais que fui descobrindo, ideias que foram pensadas para a cidade
Ángela León
Para saber se a cidade que ela via fazia sentido para os paulistanos e as pessoas que, como ela, vieram dos mais variados cantos do mundo para viver aqui, seus desenhos foram compilados em um zine e também publicados em uma página do Facebook. Depois desse primeiro teste, Ángela criou uma campanha de crowdfunding para financiar a primeira edição do Guia Fantástico de São Paulo, que foi lançado no início de 2015.
No livro, a São Paulo de hoje convive com aquela que já existiu e com as criações de Ángela. O roteiro pelo lado mais extraordinário de São Paulo passa pelo prédio do Banespa, o Aeroparque de Congonhas e as vilas operárias. Não se sabe ao certo onde começa a invenção, e a autora se diz satisfeita em levar o leitor a se interessar em descobrir o que é verdade e o que não é. Ainda sim, ela faz questão de destacar que o Guia reúne a sua visão da cidade, mas que muito pouco dele foi inventado.
A maior parte das ideias ou alguém já pensou, ou já existiram. É ao mesmo tempo uma versão pessoal do que seria a cidade ideal, mas tudo o que está ali tem a capacidade de existir. São Paulo tem potencial para ser assim.
Ángela León
Ángela não esconde as concessões que São Paulo fez em nome da expansão urbana, mas estimula um exercício imaginativo para regenerar algumas das ideias ligadas ao desenvolvimento urbano local. Podemos não ter mais o telhado-jardim – proposto por Le Corbusier – adotado pelo prédio da Av. São João em 1930 porque ainda eram precárias as técnicas de impermeabilização de coberturas, mas temos a cobertura verde do Centro Cultural São Paulo.
A autora reserva um espaço especial na sua obra para a flora nativa e as águas. As sacadas tropicais dão vista para rios limpos e navegáveis, o túnel que leva para a avenida Dr. Arnaldo vira o Balneário da Paulista e se encontra toda variedade de frutas na banca da esquina. Ángela conta que sente saudades de tomar água de coco na barraquinha embaixo do prédio onde morava. Ela voltou para Madri no inicio de 2015.
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A madrilena conta que vem frequentemente para a capital paulista, onde sua amiga Luana Geiger se encarregou de tirar do papel o piscinão do Minhocão, outra de suas ideias. “Há em São Paulo uma vontade muito grande de mudança e o seu livro acabou se encaixando bem no momento da cidade”, reconhece. Apesar de ela estar se instalando em Madri para ficar, pretende voltar para o Brasil para expor seu trabalho sobre uma São Paulo que parece cada vez menos improvável.