O que é? O projeto de Lei de Uso e Ocupação do solo nº 272/15, conhecido como Lei de Zoneamento, visa regulamentar a aplicação das políticas do Plano Diretor Estratégico, sancionado em junho do ano passado e responsável por direcionar as políticas urbanas de São Paulo até 2030. A previsão é de que ela seja votada ainda esse ano, mas isso depende do andamento das audiências públicas devolutivas nas quais será discutido a proposta de lei substitutiva do texto enviado pela prefeitura, redigida pela Comissão de Política Urbana da Câmara Municipal. O projeto de lei vem sendo discutido desde janeiro, quando a administração municipal divulgou a sua primeira versão. Um dos pontos mais polêmicos é a abertura de corredores comerciais nos Jardins, bairro nobre da Zona Sul da capital paulista.

Os jardins da discórdia

Um bairro tradicionalmente residencial e horizontal dentro do centro expandido de São Paulo, cercado por áreas bastante adensadas e de grande interesse econômico. O conjunto formado por Jardim Paulistano, Jardim América e Jardim Europa é uma ilha dentro da paisagem paulistana. Muitos moradores a querem assim mesmo, intacta. O Plano Diretor e a Lei de Zoneamento preveem que ela deveria se integrar mais ao seu entorno. E temos um impasse.

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Os Jardins (região formada pelos Jardins Paulistano, Paulista, América e Europa) são tombados pela resolução 02/86 por apresentar “inestimável valor ambiental, paisagístico, histórico e turístico, ressaltando-se o seu caráter antrópico representado pela implantação do paisagismo ali existente, com denso e contínuo arvoredo”. Na prática, isso significa que o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) deve ser consultado para deliberar sobre questões que vão desde o desmembramento de lotes até o transplante de árvores.

Segundo nota enviada pela Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico, ligado ao Condephaat, “o tombamento, em geral, não têm interferência direta em relação ao uso de bens protegidos, mas sim aos impactos que determinados usos podem ter sobre os valores reconhecidos. Sendo assim, usos compatíveis, mesmo que diferentes dos originais, sempre serão analisados pelo Condephaat para aprovação”.

O Conselho analisa caso a caso os requerimentos recebidos e não possui um levantamento do número de deliberações realizadas a respeito de pedidos de alterações na área tombada. A região protegida pelo tombamento compreende o polígono em rosa no mapa abaixo. O tombamento prevalece em relação aos parâmetros das zonas quando as normas previstas pelo mesmo forem mais restritivas.

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A prefeitura defende que diversificar as atividades permitidas nessa área é uma medida para equilibrar o fluxo de veículos e o uso do solo. Grosso modo, onde há mais circulação de transporte motorizado, maior os tipos de atividade não residencial permitido. Além disso, a proposta de Lei de Zoneamento visa promover o adensamento habitacional nas áreas onde há oportunidades de emprego, dividindo o território em áreas onde há interesse em promover determinadas atividades, protegendo territórios destinados para usos que não conseguem concorrer no mercado ou resguardando áreas que o município tem interesse em preservar.

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Caso a revisão do zoneamento seja aprovada, a maioria das áreas que são classificadas atualmente como Zonas de Centralidade Linear em Zonas Exclusivamente Residenciais dos tipos 1 e 2 se tornarão zonas corredor (ruas com abertura para comércio dentro de bairros residenciais) nos Jardins . Os locais onde apenas residências são autorizadas são contornadas pelas vias nas quais alguns usos de outra natureza são permitidos. A atualização do texto autorizaria mais usos e prevê que a taxa de ocupação do solo passe de 0,5 (metade da área do lote) – cota que era padrão para os Jardins – para 0,7 nas Zonas Corredor de tipo 2.

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A preocupação com os possíveis efeitos dessa mudança levou os moradores a formarem o Ame Seu Bairro para tentar manter os parâmetros vigentes de uso e ocupação do solo nas áreas que passariam a ser Zonas Corredor. O grupo foi formado nas audiências públicas que tinham como objetivo abrir a discussão do plano de lei 272/15 para a população. O movimento reivindica a permanência das normas vigentes naquelas áreas e uma das ações promovidas foi recolher assinaturas em uma petição a ser entregue para a Câmara Municipal.

Segundo a associação, a expansão de usos permitidos seria desnecessária e levaria a uma desvalorização da região. “Se você atrair mais atividade econômica para as áreas tombadas por interesse histórico, ambiental ou cultural, necessariamente vai causar degradação e supressão da cobertura vegetal”, comenta o advogado Joca Levy, membro da Ame Seu Bairro. “E isso se pode ver comparando onde são os corredores hoje onde há atividade comercial e o que são as vias vizinhas onde só se permite atividade residencial. Olha a vegetação, olha o que foi feito com o próprio traçado das ruas, com o desenho dos lotes, que são protegidos por tombamento.”

Obs.: Para aprofundar a discussão sobre o zoneamento entrevistamos duas pessoas envolvidas na discussão:  Anthony Ling, do Caos Planejado e Joca Levy, do Ame Seu Bairro. Veja aqui

O que seria permitido

Um dos pontos centrais desse debate é o que se tornaria permitido na nova lei em relação à atual. O texto proposto inclui maior diversidade de serviços públicos e atividades comerciais.

Nas Zonas de Centralidade Linear 1, caso da rua Gabriel Monteiro da Silva, são permitidos antiquários, farmácias, perfumarias, vendas de jornais e revistas, móveis, tecidos, objetos de decoração, show room (exceto show room de motocicleta), adegas, padarias, panificadoras sem forno a lenha, quitandas, frutarias, quitutes, doces e bombons sem consumo no local. A revisão da lei autorizaria, nas Zonas Corredor 2, comércio de alimentação de pequeno porte com capacidade para receber até 100 pessoas sentadas, estabelecimentos de abastecimento local de até 500 m² e comércio diversificado de venda direta ao consumidor de produtos relacionados ou não com o uso de caráter local.

Em relação a serviços públicos, as Zonas de Centralidade Linear tipo 1, permitem apenas agências dos Correios, agências telefônicas e delegacia de polícia e as tipo 2 não prevê nenhum uso desse tipo. A Zonas Corredor 1, permitiriam os serviços de caráter social de pequeno porte de âmbito local e de médio porte de abrangência regional, e as Corredor 2 também permitiriam serviços da administração e de pequeno porte voltados para a gestão de recursos e prestação de assistência governamental de cunho não social.

Também haveria mudança em espaços comunitários. O novo zoneamento permitira associações comunitárias, culturais e esportivas com capacidade para até 100 pessoas se instalarem nas Zonas Corredor 2 e locais de reunião (incluindo cultos) com a mesma lotação tanto nas Zonas Corredor 1 e 2. Hoje, apenas mosteiros, conventos e seminários com locais de reunião de até 100 lugares são permitidos nas Zonas de Centralidade Linear 1 e 2.

Primeira audiência devolutiva da proposta para nova lei de zoneamento na Câmara Municipal (foto: Camila Montagner)

Primeira audiência devolutiva da proposta para nova lei de zoneamento na Câmara Municipal (Camila Montagner/Outra Cidade)

Para os outros tipos de serviço, o texto do PL 272/15 também é mais genérico que a lei atual, dando mais abrangência para inclusão de outras atividades em vez de listar uma a uma as modalidades permitidas. Nas Zonas de Centralidade Linear 1, por exemplo, são permitidos os serviços pessoais de cabeleireiros e outros tratamentos de beleza, incluindo aqueles que atendem animais. No texto da revisão, a previsão é que sejam permitidos nas Zonas Corredor 2 “serviços pessoais: estabelecimentos destinados à prestação de serviços pessoais de âmbito local”.

Larissa Campagner, professora de arquitetura da Universidade Mackenzie e assessora da Associação Comercial de São Paulo, considera que a lei de zoneamento “conversa” com o mercado imobiliário, mas os outros setores econômicos são pouco impactados. Ela ressalta que atividades comerciais, em geral, são permitidas na maior parte da cidade, que é compreendida nas Zonas Mistas e de Centralidade. Essas regiões que passariam a ser Zonas Corredores são exceções, pois restringem a permissão a apenas algumas modalidades de comércio.

Ela considera que a lei tenha pouco alcance na indução de atividades econômicas, pois a dinâmica do varejo mudaria constantemente e dependeria de uma série de coisas que a lei não abrange. “O comércio trabalha com a rua e se o bem vendido for de consumo impulsivo a localização é importante”, comenta a arquiteta. “Não que a Lei de Zoneamento seja ineficiente em todos os casos, mas a matriz que ela usa para definir o que pode e o que não pode é. São mais de mil atividades e 132 zonas. Não deveríamos estar falando dos usos permitidos em cada zona, a gente deveria discutir incomodidade.”

É uma disputa grande, em que moradores têm sido enfáticos em fazer campanha para defender sua posição, incluindo a colocação de várias faixas de protesto nos imóveis do bairro. A prefeitura insiste que as propostas permitiriam que os Jardins se integrassem mais ao entorno, o que traria benefícios para a cidade como um todo.