O quê? Para um lugar ser chamado de “agradável” ele precisa ser bem cuidado, precisa de atenção. Reformar bancos, plantar, organizar pequenas mudanças. Camila Montagner conta como a participação das pessoas nessas atividades pode transformar as praças públicas e fazer com que elas tenham mais a cara de quem mora no entorno, trabalha perto ou passa sempre por ali.

Os bons vizinhos

Foi assim que o Movimento Boa Praça começou, com a reforma de um parquinho na François Belanger, em Pinheiros, para o aniversário de quatro anos de Alice, que mora na vizinhança. A menina queria que sua festa fosse ali, ao ar livre, mas o lugar estava detonado. Cecília Lotufo, a mãe, tratou de correr atrás da subprefeitura para ver o que poderia ser feito.

Espalhou-se no boca a boca a história de Alice que, em vez de ganhar presentes, queria ter um lugar melhor para brincar. Cada um ajudou como podia. A administração municipal consertou os brinquedos, uma academia próxima trouxe uma cama elástica. Moradores do entorno vieram plantar, decorar, contar histórias.

Uma das vizinhas, Carolina Tarrio, também queria dar um trato na praça Paulo Schiesari, que fica em frente a sua casa, a quatro quadras dali.  “Foi no primeiro piquenique que a gente decidiu que não adiantava fazer uma revitalização só e também não adiantava a gente fazer e a praça continuar vazia, tinha que ter uma ocupação”, relembra.

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Descida de carrinho de rolimã na François Belanger, em Pinheiros

Em 2008, depois de decidirem que iam fazer um piquenique todo último domingo do mês, eles passaram a testar outros jeitos de chamar as pessoas. Usaram panfletos, email, Facebook e até anunciaram o evento num megafone, percorrendo o bairro de bicicleta. Além desses dois lugares, o grupo também organiza atividades regularmente na Amadeu Decome, um lugar que estava tão abandonado que 500 sacos de lixo foram tirados de lá.

Juntando forças

Desde então, eles já perderam a conta de em quantos lugares ajudaram a organizar pequenas transformações. Teve no Grajaú, em Ermelino Matarazzo, na Vila Madalena, Perus, Água Branca. Nesses dois últimos, os boas-praças estão desenvolvendo uma ferramenta para levantar recursos e juntar gente que será lançada por meio do edital público Redes e Ruas, em parceria com o Atados, uma rede social para voluntários e ONGs. Quando o Instituto Elos começou com o projeto GVT na Praça, que já ajudou a organizar mutirões em Santos e Campinas, eles também deram um empurrãozinho no início do trabalho.

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A praça François Belanger, que abrigou as primeiras atividades do Movimento Boa Praça

Outras atividades foram feitas em conjunto com a prefeitura. A partir de um edital da Secretaria do Verde e Meio Ambiente, o grupo realizou um curso para a formação de cerca de 60 agentes socioambientais que pudessem organizar melhorias em espaços públicos. Mas nem sempre a ação dos órgãos públicos funciona como deveria.

Sabe aqueles bancos ondulados de concreto? A administração municipal encomendou um monte deles e espalhou pela cidade. O pessoal do Movimento Boa Praça ajudou a deixar alguns deles mais confortáveis, botando uma estrutura de madeira como encosto e cobrindo as ondulações. O grupo até chegou a promover uma “desinauguração” da praça Paulo Schiesari porque a obra que eles planejaram foi interrompida quando ainda estava pela metade.

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O banco desconfortável instalado pela prefeitura ganhou encosto construído pelo Movimento Boa Praça

“A gente gosta quando há parceria, escuta mútua. Não adianta fazer uma coisa que a prefeitura não pode manter, eles trabalham com escala. Mas também precisa ouvir os moradores locais, senão a reforma fica sem sentido”

Carolina Tarrio

Atualmente eles estão trabalhando em uma reforma na praça Amadeu Decome, que também abriga piqueniques e pequenas intervenções desde 2008. O levantamento das árvores e da topografia foi feito voluntariamente por alunos da Escola Politécnica (USP) e um arquiteto se ofereceu para desenhar o projeto com base no desejo dos moradores do entorno. A recuperação do local foi orçada recentemente e eles estão em busca de formas de torná-la viável por meio de colaborações e da cooperação da subprefeitura da Lapa.

O Boa Praça também participou da formulação do texto da lei que regulamenta a criação de um conselho para cada uma das 5.023 praças de São Paulo, aprovada em junho desse ano. O texto foi resultado de uma discussão de vários grupos sobre as normas e os cuidados necessários com esses espaços. Um vereador viu a possibilidade de transformar essas necessidades em política pública e foi assim que a proposta dessas pessoas foi aprovada e promulgada pelo prefeito. Agora, as praças têm quem cuide delas.

Afinal, do que é feita uma praça?

Os comitês de praças devem ser formados por no mínimo 4 pessoas, sendo que metade dos membros deve morar do bairro. Entre os artigos da nova lei, há a previsão da realização de consultas públicas para a implantação de projetos e a elaboração de uma cartilha para a instalação, manutenção e reforma desses espaços. Também está incluído no texto a possibilidade de que intervenções sejam feitas por meio da iniciativa de pessoas e empresas.

Antes de essa lei ser aprovada, já era possível, por meio de um termo de compromisso assinado com a subprefeitura da região, que empresas e cidadãos “adotassem” uma área verde da cidade. Além das praças, a iniciativa privada também pode se tornar responsável pela manutenção de um canteiro de avenida, por exemplo. Ao todo, 419 locais públicos já estão sendo cuidados por terceiros. Com a criação dos conselhos, essas parcerias poderão ser sugeridas e o seu cumprimento será supervisionado pelos seus membros.

A Alice conta como tudo começou no seu aniversário

Enrico Andreatini está renovando o termo que ele e os seus vizinhos fizeram com a subprefeitura do Butantã há três anos. A iniciativa foi do jardineiro, que há dez anos é pago pelos moradores para cuidar da praça Eduardo Nadruz, no Morumbi. O advogado conta que gostaria que a praça tivesse um parquinho e um cercado para cães.

Uma das confusões que a nova lei precisa desfazer parece simples, mas não é: o que faz de uma praça uma praça? A Paulo Schiesari, por exemplo, tinha uma única entrada, que ficava bem em frente aos edifícios do condomínio que a construiu como uma das exigências para que suas torres pudessem ser erguidas.

Para se ter uma ideia, só em 2014 a prefeitura terminou de fazer o levantamento do número que eu citei mais cedo nesse texto. Antes disso era “cerca de 5 mil”. Além das praças, foram contabilizados 42 parklets instalados e mais 32 em fase de aprovação.

As subprefeituras têm até janeiro de 2016 para fazer uma lista atualizada e georreferenciada das praças. Entre as características que devem estar presentes nesse cadastro estão a topografia, a cobertura vegetal e os equipamentos disponíveis. Para Carolina, do Boa Praça, essas informações são importantes e devem ser levadas em conta na hora de planejar as mudanças a realizar no espaço público.

Estabelecer esses princípios também é necessário porque essas pequenas ações estão sendo praticadas em outros cantos da cidade, por outras iniciativas. “A Batata Precisa de Você”, por exemplo, desde 2013 faz pequenas intervenções e toda sexta-feira à noite se reúne no Largo da Batata.

Uma agenda com a programação de eventos está disponível para quem quiser usar o espaço e até um casamento já rolou por ali. O lugar, que era só um pedaço de chão iluminado pelo qual as pessoas passavam o mais rápido que conseguiam, hoje tem árvores, bancos e até uma mesa de ping-pong. No vídeo, Laura Sobral, a urbanista que participou dessa mudança (e foi a noiva que casou nessa parte meio rejeitada da Faria Lima), explica como as atividades foram organizadas e realizadas.

Mesmo sem haver um padrão estabelecido, uma coisa é certa: ninguém gosta de praça vazia. Ela pode ter lixeiras, banco, parquinho, quiosques ou não ter nada, como o Largo da Batata não tinha. Pensar nas pessoas que podem usar esses espaços e as atividades que caracterizam a região do entorno é um bom começo para fazer de um local qualquer um lugar mais acolhedor.

Piquenique do Boa Praça:

    • Praça Amadeu Decome
    • Das 10h às 14h
    • Data: 30 de agosto
    • Não é preciso se inscrever para participar. O evento é gratuito.
Atividades no Largo da Batata: