Por quê? Na semana passada, 19 pessoas foram assassinadas em Osasco e Barueri, na Grande São Paulo. As causas dessa chacina, uma das maiores dos últimos anos, ainda não foram esclarecidas. Para piorar a sensação de insegurança e reforçar a sensação de isolamento,  houve um toque de recolher não-declarado em vários bairros da cidade e em outras áreas da região metropolitana.  Várias ruas ficaram horas vazias na sexta (14 de agosto) e na noite de sábado (15 de agosto).

Segurança pública é a segunda maior preocupação dos brasileiros, de acordo com pesquisas recentes. Mesmo em áreas em que o crime e a violência tem caído sistematicamente, segundo os dados oficiais de São Paulo, ainda há muito o que fazer.

A discussão é longa, complexa – mas não é exclusiva do Brasil. Leonardo Rossatto mostra como a Índia tem misturado o conceito de cidades inteligentes ao de cidades seguras. Os dois países partem de problemas semelhantes. Brasil e Índia são dois dos países com os maiores números absolutos de homicídio e estupro do mundo.

Criar cidades seguras não é uma agenda exclusiva de grupos radicais da população. É fundamental para que as pessoas possam viver a vida que elas querem viver, nos espaços que bem entenderem – dentro de casa, na rua, no parque, na escola…  E isso pode ser feito com menos sangue e mais dados.

A Índia é um pouco de Brasil

A Índia tem diversos problemas comuns a um país em desenvolvimento. Por isso mesmo tem muitas similaridades com o Brasil. Uma das questões que também são sensíveis por lá é a da segurança. Com o conceito de que uma cidade mais inteligente é também uma cidade mais segura, três pesquisadores – Vishvesh Prabhakar, Sanjeev Gupta e Rajul Mehrotra – mostraram algumas atitudes possíveis em relação ao tema. Elas podem ser aplicadas tanto na Índia quanto no Brasil. Porque, afinal, é muito difícil fazer uma grande cidade se as pessoas não sabem se vão voltar para casa depois do trabalho…

A Índia tem 53 cidades com mais de 1 milhão de habitantes. Nessas cidades, a criminalidade é 60% maior do que no restante do país

Hoje, o país  passa por um processo de urbanização que lembra muito o que aconteceu em diversos países latino-americanos, incluindo o Brasil, na segunda metade do século 20. Esse  processo de urbanização rápido, desordenado, cria na Índia problemas similares aos brasileiros: habitações precárias, aumento da criminalidade e demandas por um sistema robusto de proteção social.

A proposta para tornar os serviços de segurança mais inteligentes só pôde ser feita após um diagnóstico bem feito do problema. Isso parece um tanto óbvio para toda e qualquer política pública, especialmente quando o objetivo é tornar o processo mais inteligente.

Mas, basicamente, eles viram que a atuação em relação à segurança tinha três grandes problemas: a pouca eficiência na gestão de equipamentos e maquinário, estruturas organizacionais mal feitas ou insuficientes e falta de pessoal qualificado e de recursos financeiros. O país estava combatendo problemas de segurança sem nenhuma preparação. Estava encarando um problema do século 21 com ferramentas de madeira.

Vista área de São Paulo (foto: Leandro Beguoci)

Vista área de São Paulo (foto: Leandro Beguoci)

Após esse diagnóstico, vieram as sugestões. Algumas alternativas propostas foram:

  1. A inserção de “botões de pânico” em locais estratégicos da cidade. Um aplicativo para celular, com a mesma função, teria de ser lançado. Ele teria comunicação direta com a polícia.
  2. Uso de câmeras de vídeo para monitoramento 24 horas por dia em cada grande cidade, com um centro de operações unificado com acesso a todos esses dados. Isso ajudaria a identificar suspeitos.
  3. Aperfeiçoamento do serviço de registro de ocorrências via telefone da polícia (o 190 daqui) e integração completa desse serviço com delegacias de polícia e hospitais.
  4. Criação de quiosques e postos avançados para que os cidadãos possam registrar ocorrências imediatamente, integrados ao restante da estrutura da polícia. Isso reduz a possibilidade de repetição imediata do crime, como costuma ocorrer, por exemplo, em casos de agressões físicas.
  5. Uma plataforma online conectando os cidadãos para que eles possam oferecer informações para a polícia e para a administração pública sobre problemas de segurança imediatos (ocorrências) ou potenciais (iluminação pública deficiente, por exemplo).

A reformulação proposta inclui também algumas atitudes pontuais:

  1. Detecção de localização via GPS para crimes como furto/roubo de veículos e de telefones celulares.
  2. Incentivo à comunidade para o desenvolvimento de ações educacionais e de prevenção.
  3. Identificação de crimes digitais e ciberataques.
  4. Treinamento e melhoria da capacidade das forças de segurança.
  5. Sistemas baseados em Big Data para a inteligência policial e análise de ocorrências.
  6. Integração dos sistemas de governo para suporte às vítimas e punição aos criminosos.
  7. Uma coisa fica clara, em todas essas atitudes: todas elas são necessárias e implantáveis no Brasil. Algumas, inclusive, já estão implantadas e só precisam de aperfeiçoamento, como os centros de operações em diversas grandes cidades.
Avenida Rebouças, em São Paulo (foto: Leandro Beguoci)

Avenida Rebouças, em São Paulo (foto: Leandro Beguoci)

Por outro lado, algumas outras operações parecem viáveis, como a ideia dos botões de pânico em lugares sensíveis da cidade – ainda que sujeitos a vandalismo – e os postos avançados para registro de ocorrências, uma vez que as bases policiais atuais não cumprem essa função e poderiam ser adaptadas.

Para terminar: talvez a rede colaborativa possa ser uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo em que pode fornecer informações relevantes para a polícia e para a administração pública, a exposição de vulnerabilidades pode atrair criminosos, se esse tipo de informação for divulgada sem critérios.

Alguns resultados

Essa experiência indiana tem dados alguns resultados. A Índia tem um índice de solução de casos de estupro de 24,2%. O número é semelhante ao da França (25%) e superior ao da Inglaterra (7%) e da Suécia (10%).

Além disso, o país vem encarando a produção de dados como uma coisa boa – e não como uma vergonha nacional. Os dados de violência no país vem crescendo sistematicamente desde 2003, mas a maior parte dos analistas diz que isso tem explicação.  Os canais para reportar crimes estão melhores, como narra essa reportagem da BBC (em inglês).

Índia e Brasil ainda tem longos caminhos para resolver seus problemas de violência. A Índia ainda não é uma referência internacional de segurança (longe disso). Mas, pelo menos, está abraçando a ideia de que ter mais informações e melhorar as notificações é um bom caminho. É um exemplo simples, que o Brasil também pode seguir.

Afinal, por aqui, você ainda pode gastar quatro, cinco horas numa delegacia no centro de São Paulo para reportar um crime. A pessoa que vai te ouvir muitas vezes fará isso num computador velho e, em alguns casos, ainda te olhará com aquele semblante de que a culpa é da vítima – afinal, quem mandou você ficar de bobeira, daquele jeito, em determinado lugar da cidade? Em outros casos, a gente simplesmente não confia na polícia a ponto de reportar o problema.

A Índia ainda tem problemas seríssimos, mas pelo menos começou a enfrentá-los.

PS: A leitora Inez Carvalho disse, no Facebook, sobre esse texto: “São boas ideias pontuais, mas de um reducionismo ímpar. Então, a violência será vencida só com bons instrumentos?”

A conversa que se seguiu foi interessante. Nós respondemos: “Não, Inez Carvalho, bons instrumentos não resolvem. A gente fala isso no texto, sobre não existir bala de prata. Mas bons instrumentos ajudam. Sem eles, você não entende o problema. E, sem entender o problema, você não o resolve.”

Ela replicou: “Concordo, mas ‘a bala na agulha’ foi citada na apresentação e não no texto.”

Então nós reproduzimos aqui um comentário que Leandro Beguoci, um dos nossos editores, fez ao texto: “O Outra Cidade é, basicamente, um site de jornalismo de soluções aplicado a cidades (é fácil fazer isso? Opa, claro que não). Quando a gente conversou sobre a chacina de Osasco, ficamos quebrando a cabeça sobre o que poderíamos fazer.

Para nossa sorte, o Leonardo Rossatto estuda faz tempo o modelo de cidades inteligentes da Índia, o que funciona e o que não funciona. E aí ele trouxe algumas ideias bem interessantes para a mesa.

É um dos caminhos possíveis – mas nem de longe é o único. Não existe bala de prata. Problemas complexos não se resolvem com uma única marretada, e o caso da Índia mostra bem isso.

Primeiro, tem de entender. E para entender precisa ouvir (inclusive os dados).”