O assunto: A redução da velocidade máxima nas marginais Pinheiros e Tietê levantou acaloradas discussões entre os favoráveis e os contrários à medida. Enquanto o primeiro grupo argumenta que a medida aumenta a segurança no trânsito e é necessária devido ao alto grau de letalidade nas Marginais (73 mortes em 2014), o segundo grupo argumenta que a medida é uma afronta às liberdades individuais e trava ainda mais o trânsito nas duas vias expressas.
A intenção aqui não é entrar nessa discussão polarizada. Leonardo Rossatto conta por que o debate sobre a velocidade máxima nas marginais é uma janela de oportunidade. Ele serve para discutir mobilidade urbana não só pelo lado da fluidez, mas também para unir mobilidade e qualidade de vida.
Menos mortes
A CET constatou que, no primeiro mês após a redução da velocidade máxima nas marginais, os acidentes diminuíram, proporcionalmente, em 30%. Nesse contexto, outras vias também passaram a ter como limite máximo a velocidade de 50 km/h. O recado: a redução da velocidade máxima nas marginais não é uma ação pontual, e sim parte de uma ação maior, que visa restringir as velocidades por toda a cidade.
Bem, de onde a prefeitura de São Paulo tirou essa ação? De outras cidades do mundo que têm feito a mesma coisa.
Em Nova York, a velocidade máxima nas vias locais é de 25 milhas por hora (40 km/h) e, nas vias expressas, varia de 35 a 50 milhas por hora (56 a 80 km/h). Até pouco tempo atrás, essas velocidades eram maiores.
A meta de Nova York, lançada em novembro passado, é reduzir as mortes no trânsito a zero em 2024.
Por ano, morrem cerca de 250 pessoas, entre acidentes e atropelamentos, no trânsito da cidade americana. Mas esse número já foi bem maior: em 1990, foram 701 mortes no trânsito. Em 2000, foram 381. Para isso, além da redução de velocidade na maioria das vias, diversas medidas foram tomadas, sob coordenação da prefeitura.
Uma delas, fundamental para o debate, é comunicar bem a medida. A população sabe o que está sendo feito e de qual órgão é a responsabilidade, em um site exclusivo para isso. Apesar da oposição de alguns motoristas, a iniciativa foi bem aceita pela maioria da população até o momento. A ponto de a discussão ganhar outros contornos: já há quem defenda abertamente a restrição da circulação de veículos particulares nas regiões centrais da cidade.
Na Europa, grande parte das cidades contam com iniciativas para redução de velocidade no trânsito, incluindo Londres e Paris. Em Londres, o governo está reduzindo a velocidade máxima para 20 milhas por hora (32 km/h) em toda a cidade. Nas áreas centrais, essa é a velocidade máxima desde outubro do ano passado. Em Paris, o governo reduziu a velocidade máxima nas regiões centrais da cidade para30 km/h no último mês de maio. E a intenção é que, até 2020, a velocidade máxima de 30 km/h seja a regra em Paris e em seus arredores. A intenção, nos dois casos, é a mesma: diminuir o número de acidentes e de fatalidades.
No entanto, as cidades europeias tem um plano bem mais ambicioso em relação à restrição da circulação de veículos. Até 2030, as grandes cidades da União Europeia querem reduzir pela metade a utilização de veículos particulares. Até 2050, a intenção é bani-los em algumas delas. Hamburgo, na Alemanha, vai além: quer eliminar todos os veículos particulares da cidade até 2034.
Observando estritamente pela lógica do administrador público, a solução draconiana parece atraente: a manutenção dos serviços de trânsito é sempre muito cara, e o tráfego também impõe gastos para os sistemas de segurança e saúde pública. Afinal, atropelamentos e acidentes são relativamente comuns. E, em locais como São Paulo, assaltos e latrocínios também ocorrem com alguma frequência.
Não é o caso de ser tão radical, claro. Afinal, essas medidas podem fazer sentido para o Estado, mas também são uma interferência exagerada na vida das pessoas. De qualquer forma, é bom lembrar que há um movimento grande para diminuir o uso de automóveis particulares em várias cidades do planeta. Carros não são vilões por si. O que atrapalha, como em muitos aspectos da vida, é o excesso que se transforma em vício.
As alternativas
São Paulo tem uma diferença essencial em relação a Nova York, Paris ou Londres. Todas essas cidades, comparáveis a São Paulo em tamanho e população, contam com linhas de metrô desenvolvidas e com boa capilaridade, que atendem às necessidades de deslocamento da população.
- Nova York tem 418 quilômetros de metrô e 456 estações.
- Londres tem 436 quilômetros de metrô e 315 estações.
- Paris tem 214 quilômetros de metrô e 313 estações.
- Até Hamburgo, com 1,8 milhão de habitantes (uma vez e meia a população de Guarulhos), tem 104 quilômetros de metrô, e 91 estações.
A título de comparação, São Paulo tem 78,4 km de metrô e 67 estações, já incluindo a recém inaugurada estação Oratório, ainda em operação parcial. Guarulhos? Não tem um único quilômetro de transporte sobre trilhos.
Linhas de metrô não se constroem em pouco tempo, e as obras de construção de novas linhas em São Paulo têm no atraso uma de suas principais características. O jeito, então, é procurar alternativas.
A prefeitura inaugurou 356 quilômetros de faixas exclusivas para ônibus entre 2013 e 2014. No entanto, ainda em 2014, essas faixas foram liberadas para o uso de táxis também. E, também por isso, a velocidade média dos ônibus nessas faixas exclusivas diminuiu no último ano. A prefeitura melhora de um lado, cede do outro.
Para ler daqui a pouco: Por que o metrô precisa de um novo pacto
Em uma cidade do porte de São Paulo, a faixa de ônibus só mitiga o problema. O que define o tipo de transporte mais adequado para uma localidade é a quantidade de pessoas que precisa chegar àquela localidade. Em outras palavras: o adensamento urbano.
Esse é um dos fatores determinantes nos novos projetos de metrô, de monotrilhos, de faixas de ônibus e até mesmo de bondes (ou trams, na linguagem internacional). E o metrô é, por excelência, o veículo ideal para locais com grande adensamento urbano, ou grande fluxo de pessoas indo trabalhar.
Um metrô tem a capacidade de transportar aproximadamente 1000 passageiros. Nenhum outro transporte consegue, de 2 em 2 minutos, transportar 1000 passageiros.
Isso não invalida a iniciativa da prefeitura de São Paulo de diminuir a velocidade das vias. O efeito deveria ser contrário: com mais restrições à circulação de veículos particulares, a pressão pela melhoria do transporte público deveria ser maior e mais constante. E isso mesmo nos lugares de menor adensamento. É necessário cobrar por mais metrô, mas também é preciso cobrar pela otimização do uso das linhas de ônibus e pela manutenção das vias, por exemplo.
E agora?
Atitudes que evocam mudanças culturais, como a da prefeitura, só terão aceitação da sociedade se tiverem contrapartidas relevantes, que incentivem de fato o uso do transporte público. Afinal, você não pode obrigar as pessoas a mudar de hábito – especialmente se não oferecer uma alternativa que melhore a vida delas.
Várias pessoas tem uma relação de amor com os carros, como o nosso amigo Juliano Barata, do FlatOut! Outras pessoas usam carros como quem usa remédios – é por necessidade, não por prazer. De qualquer forma, milhões de pessoas adorariam usar os seus carros apenas por prazer. Transporte público bom, no final das contas, também ajuda quem possui carros a ter uma relação melhor com seus veículos.
Comentário do leitor Vagner Alexandre Abreu, que já escreveu aqui sobre metrô:
“Um dos motivos para não haver uma reclamação por mais transporte público é porque há a visão de que tal tipo de transporte é para pobres. Perdemos a cultura de usar um transporte de alta capacidade, como os trens. E deixamos rolar a cultura de usar um transporte individual ou de serviços de curta distância. (Isso falo de metrópoles).
Desde 1980, os serviços ferroviários de passageiros foram estagnados, sobrando os poucos serviços metropolitanos em algumas capitais brasileiras, principalmente São Paulo e sua malha de ferrovias do metrô e CPTM. E o crescimento das linhas é lento por motivos já falados por aqui.
No caso da diminuição das velocidades, tenho algumas teorias extras em mente:
- Redução do consumo de combustível e poluição – motores trabalham bem sempre em regimes contínuos. Quanto maior a velocidade, maior é a marcha e rotação usada, e maior também é o esforço contra o atrito do ar. Reduzir e padronizar a velocidade mantém o motor em regime constante, diminuindo o consumo.
- Equilíbrio na condução – veículos em velocidades menores e similares têm melhor coordenação e menor possibilidade de erros em caso de acidentes. Quanto maior a velocidade, a atenção fica mais direcionada à frente do que ao redor – o chamado ‘efeito túnel’.”