O que? Na Grande São Francisco, este domingo marcou a 50ª edição do Super Bowl, a final da liga profissional de futebol americano. Trata-se do maior evento esportivo dos Estados Unidos e do jogo isolado mais lucrativo de qualquer modalidade no mundo. Ainda assim, as prefeituras de São Francisco e de Santa Clara (município onde está localizado o estádio Levi’s) tiveram de bancar diversas ações ligadas à organização da partida. Um fato que dá novo fôlego à polêmica sobre a relação entre poder público e as competições esportivas.
Chantagem oficializada
O aviso é explícito: “impacto nos transportes é esperado entre 23 de janeiro e 12 de fevereiro”. São três semanas em que São Francisco sentiu o impacto de receber o maior evento esportivo dos Estados Unidos, o Super Bowl, a final da NFL (liga profissional de futebol americano). Ruas do centro foram fechadas para a instalação de espaços aos turistas-torcedores, diversos prédios – principalmente os públicos – se decoraram com menções ao jogo e até aproveitaram o movimento na região para inaugurar a nova iluminação noturna da Bay Bridge, ponte que liga a cidade com a vizinha Oakland, do outro lado da baía. Um investimento pesado do município, e não apenas em promoção e na paciência das pessoas que tiveram de desviar seu caminho para o trabalho. A prefeitura gastou cerca de US$ 5 milhões para receber o jogo, sobretudo em segurança e operação de trânsito (mas também para vários luxos contestáveis, veja link).
ENTENDA: O que as cidades precisam fazer para receber o Super Bowl
A justificativa é a mesma que se adota em diversos outros momentos como esse: o evento movimenta a economia da cidade, trazendo lucro no final das contas. No caso do Super Bowl, é bem possível que os benefícios de São Francisco sejam maiores que os US$ 5 milhões investidos, mesmo que o jogo em si tenha sido realizado em Santa Clara (na mesma região metropolitana). O problema é discutir a relação entre organizações esportivas e o poder público, e como os governantes fazem concessões em demasia em troca de receber competições.
A Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos são grandes exemplos disso, e o Brasil bem sabe pelo que tem passado nos últimos anos. Nesses eventos, a disputa pelo direito de sediar o evento envolve países diferentes, o e que motiva governos a prometerem botar a mão no bolso para vencer a concorrência. Isso não justifica a gastança, mas as entidades que regem o esporte fazem essa chantagem para ter ajuda de dinheiro público. Os governantes aceitam o jogo, talvez porque tenham interesse nisso.
O caso do Super Bowl é mais difícil de explicar. O evento claramente é grande. Ele atrai quase 50% da audiência dos Estados Unidos, um número absurdo para um mercado muito mais diluído que o brasileiro. Com isso, o valor do anúncio na transmissão pela TV é gigantesco, o maior do mundo. Todos os ingressos são vendidos antecipadamente, cada um deles a preço bem robusto, e é sabido que milhares de torcedores viajarão para a cidade-sede apenas para aproveitar os eventos pré-jogo e o clima da região, sem entrar no estádio. Considerando cada partida como um evento individual, o Super Bowl é o jogo de qualquer esporte mais lucrativo do planeta.
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Isso poderia dar um bom poder de barganha à liga para negociar com cidades interessadas em receber o jogo. E isso acontece realmente, em um processo com exigências para lá de estranhas e criticáveis. Mas as cidades deveriam se impor, pois há motivos para isso.
O Super Bowl tem poder de promoção da cidade-sede muito menor que a Copa do Mundo ou os Jogos Olímpicos. Primeiro, porque seu alcance é limitado fora dos Estados Unidos. Segundo, porque os organizadores locais têm menos margem para injetar sua imagem no evento.
Além disso, a disputa pelo direito de receber o jogo não é tão aberta. A partida só pode ser realizada em um dos 31 estádios da liga. Mas, se forem excluídos os estádios tecnologicamente defasados, os que estão localizados em cidades com condições climáticas desfavoráveis em fevereiro e os que receberam a final nos anos anteriores, a lista de candidatos é relativamente restrita. Seria bastante possível criar uma pressão sobre os prefeitos desses municípios para não aceitarem condições que exigissem investimento público.
Em 2016, São Francisco não sabia de onde tirar os US$ 5 milhões para a operação do Super Bowl, pois a despesa não estava prevista no orçamento. A maior parte da população não ligou, mas cresceu o número de descontentes, que já estavam contrariados com a política do prefeito Ed Lee de “limpar” a cidade de moradores de rua nos dias que antecederam a decisão. Todo esse esforço para atrair uma liga que faturou US$ 6 bilhões em sua última temporada e que poderia perfeitamente bancar tudo de seu próprio bolso.
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As autoridades se deixam levar demais pelo glamour em torno de eventos esportivos, mas é difícil justificar o tanto de investimento público que se faz para sua realização. Certamente São Francisco se beneficiaria mais se esses US$ 5 milhões fossem empregados em competições escolares. Seria uma boa maneira de o esporte ser usado para a sociedade. O Super Bowl pode até dar retorno financeiro, mas ele tem como caminhar com as próprias pernas.