Ar limpo e céu aberto nunca fizeram parte das virtudes de Londres. Em uma mistura de poluição de uma metrópole com um clima que oferece naturalmente muitas nuvens e neblina, a paisagem típica da capital britânica sempre inclui um fundo cinza. Uma situação que ficou particularmente delicada nas últimas semanas, devido ao aumento da sujeira e de um componente inesperado: poeira vinda do deserto do Saara.
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Na última semana, a Nasa divulgou uma imagem mostrando uma nova onda de detritos deixando o norte da África rumo à Europa. O fenômeno já acendeu o alerta no Reino Unido, onde os ventos do Saara ajudaram a criar algumas das piores ondas de poluição no sul do país nos últimos anos. Duas delas foram particularmente fortes, uma entre março e abril de 2014 e outra em dezembro do ano passado.
Essa sentido sul-norte não é tão comum nas viagens da poeira do Saara. O trajeto mais comum é leste-oeste, atravessando o Oceano Atlântico. A influência do deserto africano nas Américas já é bastante documentada, causando efeitos positivos – como inibir a formação de furacões e fertilizar o solo da Amazônia – e negativos – como levando doenças para os corais do Caribe. Ainda ajuda a embelezar os cartões postais de Miami, avermelhando o nascer do sol na Flórida.
No entanto, a participação do Saara na poluição londrina não pode ser superestimada. Um estudo da Universidade de Edimburgo, Escócia, publicado em 26 de março desde ano mostra que a onda de poluição de 2014 teve grande contribuição de fontes mais “tradicionais”, como gases emitidos por indústrias e fertilizantes utilizados pelos fazendeiros da Europa continental.
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De acordo com os pesquisadores, a poeira do Saara (vídeo abaixo) foi mais relevante no sul da Grã-Bretanha. Na maior parte da ilha, o deserto foi responsável por menos de 20% das partículas poluentes. O estudo é enfático ao dizer que a participação do deserto deva ser relativizada: “A poluição da primavera de 2014 foi largamente atribuída pela imprensa do Reino Unido à poeira do Saara, colocando uma (falsa) ênfase em um fenômeno natural, que não pode ser resolvido com alguma ação”.
Em entrevista ao jornal Guardian, o advogado da ClientEarth (escritório de advocacia especializado em questões ambientais) foi bastante duro. “Ao invés de lutar em Bruxelas [onde fica a sede da União Europeia] por metas menores de poluição, nosso governo deveria trabalhar com os vizinhos europeus para cortar a poluição pelo continente e agir para reduzir a poluição que sufoca nossas cidades diariamente”, afirmou.
No final das contas, a onda de ventos vindos do Saara na última semana merece atenção dos ingleses e dos europeus em geral. Mas não tanto quanto suas próprias atitudes ambientais.