Vania Toledo se considera uma paulistana que nasceu em Minas Gerais. Em seu apartamento e estúdio fotográfico, os visitantes são recebidos ao som de “Mais que Nada” e acompanhados até o sofá pelo seu cão, Yoda. O centro faz parte de sua rotina desde quando ela estudava Ciências Sociais na USP – então localizada na rua Maria Antônia – e trabalhava meio período em um banco na rua Boa Vista. Na parede, há um retrato do próprio Copan, tirada por Fausto Chermont. A fotografia ela ganhou de presente antes mesmo de se mudar de Higienópolis, onde viveu por quase 40 anos, e vir morar no número 200 da avenida Ipiranga, porque sempre gostou muito do prédio.
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“Quando eu era solteira, morava no Jardim São Paulo, na Zona Norte. Depois disso, sempre morei em Higienópolis por 37 anos mais ou menos. Gostava de lá. Morei na alameda Casa Branca [bairro dos Jardins] por 3 ou 4 anos, porque queria morar numa casa com árvore. Aí voltei para Higienópolis e sempre morei em apartamento porque não há casas acessíveis à classe artística em Higienópolis.
Trabalhei em um banco até 1970, na rua Boa Vista, e passava por aqui no Copan. Durante uns oito anos, quando era estudante de ciências sociais na USP e ia a pé para a faculdade que era na rua Maria Antônia.
São Paulo é a única cidade da América do Sul a não prestigiar o Centro como deveria. Sempre adorei morar aqui, mas de uns 30 anos para cá houve uma degeneração muito grande. Todos os prefeitos cuidaram muito pouco do centro, que foi relegado ao segundo plano. Antes era muito mais bem cuidado, dava prazer de andar pelos viadutos, não tinha essa feira indiana permanente de gente vendendo coisas pelas ruas. As calçadas eram mais bem cuidadas, os prédios mais limpos.
Com a possível e procurada revalorização, pensei em me mudar pra cá. Gosto da ideia democrática de convivência que o Copan propõe. Tem desde pessoas ricas, gente que compra dois apartamentos e faz duplex, até pessoas que só podem pagar uma quitinete. Eu gosto dessa discussão social que o edifício propõe. Fiquei procurando, dando meu cartão para todos os porteiros e pedindo para que me avisassem se vagasse um apartamento, porque gostava do prédio. Demorou um ano e meio essa busca.
Tive um acidente há muitos anos e tenho dificuldade de locomoção. O centro me permite andar a pé, porque é plano. Por exemplo, hoje vou ao CCBB [Centro Cultural Banco do Brasil] ver uma exposição. Se quero ir ao teatro, posso ir a pé e passar para comprar algo de fotografia na Xavier de Toledo. Trabalho aqui, vivo aqui, esse aqui é meu estúdio fotográfico, minha sala, meu escritório.
Eu me sinto em um sítio, porque não tem barulho, é muito agradável. Sou muito feliz aqui. Adoro ouvir o badalar dos sinos da igreja da Consolação às seis da tarde ou quando tem missa, porque me sinto quase no interior.
Não frequento o Copan, os corredores, essas lojas. O único lugar que frequento é o Café Floresta. Também vou à padaria ali que tem um pãozinho ótimo, faço a unha no salão, que tem um preço super democrático e tem um tintureiro que passa muito bem as roupas. Normalmente desço, pego o carro e continuo tendo a vida que eu tinha em Higienópolis: mesmo açougue, mesma feira. O comércio que frequento ainda é em Higienópolis, porque vivi lá quase 40 anos. É difícil mudar os hábitos.
Desde o acidente, larguei o estúdio. Primeiro tive um na alameda Campinas, depois passei para outro endereço na Vila Nova Conceição. Comecei a ver que meus amigos não tinham estúdio, tinha um custo altíssimo e não era nada prático. Perdia duas horas indo e vindo de casa até a Vila Nova Conceição, quando poderia estar lendo, fazendo exercício. Hoje, quando preciso, eu loco um estúdio. Como sou retratista, também posso fotografar aqui duas pessoas ou até três, se for uma família ou algo assim.
Fico muito confortável aqui e pago um aluguel para ter as duas coisas. É muito mais agradável e econômico trabalhar em casa. O espaço é limitado em relação à profundidade, à largura. Não é um espaço grande, no qual eu tenho um fundo infinito construído. Meus fundos são pintados para dar uma noção de profundidade. Lá em Higienópolis, como tinha espaço, o fundo infinito era fixo e era só pintar da cor que desejava.
Sou autodidata, aprendi saindo na rua pra fotografar, mas não faço mais isso. Já possuo estúdio em casa há uns 20 anos. Desde então, houve uma redução, para mim, de trabalhos de moda e publicidade. Com a introdução da fotografia digital, houve uma mudança de mercado muito grande. Eu fotografo dos dois jeitos, mas sempre como se fosse analógico. Para teatro, por exemplo, digital é até melhor.
Tenho hábito pessoal de não frequentar muito os vizinhos. Primeiro, porque sou uma pessoa ocupada, segundo porque conheço poucas pessoas que moram aqui. Eu tenho um feeling para seres humanos e gosto de pessoas absolutamente normais e agradáveis. Uma das coisas que me fez sair de Higienópolis foi exatamente isso, o novo Higienópolis tornou-se lugar de um pessoal que gosta de exibicionismo, fama, um tipo de comportamento social que abnego.
Meu único vício é gente, não quero tratamento contra isso, nem quero ser internada. Continuo acreditando no ser humano. Engraçado que ontem mesmo estava dizendo para um amigo que as pessoas deixaram de ser interessantes e interessadas e passaram a ser utilitárias, ligadas só a interesses. Eu estou em um limiar da minha vida que me dou ao direito de só conviver de uma forma confortável com as pessoas, sem precisar ser hipócrita, sem precisar sorrir sem querer sorrir.
Se eu fosse retratar o momento do Copan agora tentaria imaginá-lo como se fosse uma obra de Christo Vladimirov Javacheff, o artista plástico que cobre os prédios, as coisas. Fotografaria um edifício azul.
Daqui eu consigo ver a Serra da Cantareira, o Pico do Jaraguá lá no fundo, transcende a urbanidade. Tem uma profundidade muito boa, que eu adoro, de fundo infinito. Não abro mão de duas coisas: do fundo infinito e do musical.”