Levantar informações que possibilitassem a experimentação e elaboração de propostas para melhorar a qualidade ambiental, urbana e social em Paraisópolis. Esse era o tema do estudo de mestrado do arquiteto Eduardo Pizarro na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e, para isso, ele teve de analisar os diversos interstícios urbanos – espaços públicos e privados na forma de ruas, vielas, becos, escadarias, quintais ou laje, ou seja, tudo que está entre as edificações – da comunidade localizada na zona sul de São Paulo.
O levantamento é válido. A lógica da distribuição dos interstícios dentro de Paraisópolis é bem diferente dos bairros formais, mas eles também são fundamentais para a convivência da comunidade, assim como em qualquer contexto urbano. Cada um desses espaços tem seu próprio valor e suas próprias necessidades de manutenção e melhoramento. As calçadas tradicionais com guias e sarjetas, por exemplo, são desnecessárias nas vielas, pois elas são estreitas e servem para “encurtar distâncias” e usadas principalmente por pedestres.
O estudo destaca que apesar da alta densidade encontrada ali, as áreas comuns existem e elas não cabem na definição tradicional de “espaços abertos”. A presença de infraestrutura básica em Paraisópolis é um fator importante para o surgimento desses locais, pois alguns são resultantes de desocupações feitas para a execução de obras públicas.
O trabalho de Eduardo inclui dados sobre umidade, velocidade do vento e temperatura, que foram reunidos com o objetivo de simular medidas para aumentar o conforto ambiental. Paraisópolis possui 82 hectares de área, mas é tão densa que muitas casas não têm acesso à ventilação e as janelas são muitas vezes ausentes nos primeiros andares das edificações. Um levantamento do IBGE, de 2010, a comunidade era composta de 43 mil moradores. No ano seguinte, a Secretaria de Habitação do Município de São Paulo apurou que 55 mil pessoas viviam no local. A União de Moradores e do Comércio de Paraisópolis (UMCP) estima que a população seja de 100 mil.
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De acordo com a UMCP, 21% dos trabalhadores encontraram emprego dentro da própria comunidade e 30% estudam, trabalham e realizam atividades de lazer sem sair de lá. É como uma cidade. Dados levantados pelo estudante junto à Sabesp mostram que Paraisópolis em 2014 possuía 100% de acesso à água, sendo 75% do sistema regularizado e 60% de esgoto.
O único espaço de lazer que realiza seu potencial como tal na comunidade, indo além de ser um lugar não-ocupado, é o campo de futebol. Isso não quer dizer que outros locais não se transformem eventualmente em lugar de brincadeira, de encontro, de descanso.
Oficinas foram realizadas com crianças moradoras de Paraisópolis para identificar seus desejos em relação ao lugar onde vivem. Na comunidade, os espaços entre as edificações tendem a refletir as necessidades de quem construiu ali, como servir de transição entre uma casa e outra quando elas não têm quintal ou jardim. Uma das características comuns aos interstícios estudados por Eduardo é que eles são apropriados na escala do pedestre, com raras exceções, sendo que o mesmo não pode ser dito das vias que cortam os bairros formais.
As informações sobre o local foram coletadas pelo pesquisador entre a primavera de 2013 e o verão de 2014 em um percurso considerado comum dentro da comunidade. Entre outras coisas, o estudo observou que a temperatura é mais alta e a umidade relativa do ar é mais baixa nas ruas e espaços expostos diretamente ao sol, se comparadas à temperatura e umidade das vielas que cortam as quadras de Paraisópolis.
Como uma das conclusões foi que não é possível dissociar os espaços internos e externos das favelas, as propostas de Eduardo incluem ideias para os interiores e também as áreas de transição entre essas áreas e os interstícios. Para se ter uma ideia, lajes, em Paraisópolis, correspondem aos lotes na cidade formal, sendo que cada andar é tratado como uma moradia ou ponto comercial independente.
Entre as propostas para os espaços abertos estão a constituição de um meio urbano mais aberto à ventilação e insolação por meio de um aumento do gabarito de Paraisópolis, o que configuraria novos percursos urbanos. Para equilibrar as condições ambientais externas e internas foi elaborada uma proposta para o assentamento e tijolos para proporcionar mais ventilação e proteger da incidência direta do sol. O estudo tomou como base materiais normalmente usados nas edificações do local, como tijolo maciço, blocos de concreto e cerâmicos vazados.
Durante sua pesquisa, Eduardo publicou em um jornal da comunidade um manual para que os moradores apliquem algumas das estratégias propostas e ele será transformado em uma cartilha com maiores orientações. A pesquisa foi premiada na LafargeHolcim Forum Student Poster Competition em abril e está sendo desdobrada em um estudo de doutorado também na USP.