Usamos endereços toda hora. Quando marcamos um encontro, quando pedimos pizza para entregar, quando vamos enviar algo a um parente que mora longe, quando chamamos o táxi ou o Uber no aplicativo, quando vamos simplesmente contar a um amigo onde fomos. Eles são tão comuns no dia a dia de muita gente que às vezes é fácil esquecer como milhões de pessoas não têm como indicar onde moram. E aí, serviços triviais como pedir uma pizza ou essenciais como chamar os bombeiros ficam prejudicados. É assim no Brasil, sobretudo em comunidades carentes, mas há lugares em que é ainda pior. Como a Mongólia.

A nação que se espreme entre a maior e a terceira maior do mundo, endereços são raridades. A Mongólia é a nação soberana com menor densidade populacional do mundo (1,92 habitante/km²). Além disso, 25% da população é nômade e nas cidades, incluindo a capital Ulaanbaatar, muitas ruas simplesmente não têm nome. Indicar onde uma pessoa está ou mora é trabalhoso. Para contornar esse problema, o país asiático se tornará o primeiro a adotar oficialmente a localização por meio de séries de três palavras.

O sistema foi criado pela startup inglesa What3Words. A empresa dividiu toda a superfície da Terra em 57 trilhões de quadrados de 3×3 metros. Depois, pegou 40 mil palavras e criou sequências de três, nomeando cada um dos quadradinhos do planeta com essas mini-frases (são quase 64 trilhões de combinações possíveis). A ideia é criar indicações fáceis de decorar, pois a chance de confusão é muito menor do que com endereços tradicionais – com CEP e tudo – ou coordenadas de GPS, ambos métodos dependente de muitos números.

A What3Words já criou endereços de todo o planeta em onze idiomas (inglês, francês, espanhol, alemão, português, russo, suaíli, turco, sueco, italiano e, claro, mongol). Cada língua tem suas próprias coordenadas, uma não sendo tradução da outra. Além disso, séries de palavras mais simples são usadas em locais mais próximos dos países que usam esse idioma, enquanto que os termos complexos são designados para regiões mais distantes e, teoricamente, menos relevantes para quem fala aquela língua.

Garotos jogam futebol próximo a tenda em bairro nos arredores de Ulan Bator (AP Photo/Andy Wong)

Garotos jogam futebol próximo a tenda em bairro nos arredores de Ulaanbaatar (AP Photo/Andy Wong)

Dessa forma, o endereço de três palavras do Palácio da Alvorada (Brasília), é “aparar.quase.devo” em português e “firm.tabloid.bits” em inglês. O Maracanã (Rio de Janeiro) está no “almoço.quero.pulsar“, o Teatro Amazonas (Manaus) fica no “eleger.orelhão.broa” e o Mercado Modelo (Salvador) é encontrado no “expôs.botos.avisei“. Enquanto isso, o Museu do Louvre (Paris) está em “assinantes.munir.remodelado“, o Empire State Building (Nova York) fica no “superlotação.alheio.capaz” e a Torre de Belém (Lisboa) foi construída no “eixo.pifar.erva“.

As palavras se repetem, mas o sistema que criou as indicações supostamente evita frases parecidas em locais próximos para evitar confusão. A redação da F451, empresa que edita o Outra Cidade, fica em “ouviu.farei.quibe”. O endereço é parecido com “ouvir.farei.quibe” e “ouviu.teriam.quibe“, mas dificilmente haverá dúvida entre um escritório em São Paulo e um ponto no mar perto da orla de Ilhéus, Bahia, ou um quarteirão no norte de Londres.

No entanto, outros quatro endereços parecidos ficam no meio da Amazônia: “ouviu.faremos.quibe” é um ponto perto da divisa entre Amazonas e Pará, “ouvir.faremos.quibe” fica próximo à divisa entre Amazonas e Roraima, “ouvir.faremos.quis” é no norte do Amapá, quase na fronteira com a Guiana Francesa e “ouviu.faremos.quis” está no Pará, pouco ao sul da fronteira com a Guiana. É verdade que nenhum serviço básico confundirá esses pontos, separados por milhares de quilômetros entre si, mas casos como localizar uma queimada na floresta ou o ponto de queda de um avião podem ter uma área de procura que englobe dois ou mais desses pontos.

De qualquer modo, o sistema é interessante por facilitar a memorização e comunicação de um ponto no globo, sem risco do GPS, em que um número errado pode levá-lo a um destino completamente diferente, e sem precisar que alguma autoridade registre oficialmente um endereço. Foi isso o que atraiu o governo da Mongólia.

Em julho, o correio mongol usará os endereços de três palavras para orientar seus entregadores. Um software simples transformará essas mini-frases em coordenadas no mapa, que os agentes usarão quando forem para as ruas.