O que é?
O estádio do Pacaembu foi construído em 1940 como o grande palco do futebol em São Paulo. Seu papel diminuiu com o tempo, mas até 2014 ele era bastante utilizado, sobretudo como casa do Corinthians. Com a inauguração de uma arena própria e os términos das obras do estádio do Palmeiras, o estádio mais central da capital paulista não tem usuário permanente. A prefeitura fez um chamamento público para atrair grupos interessados em administrar o complexo em forma de concessão. Ubiratan Leal argumenta que o estádio precisa continuar sendo um estádio, mas não para grandes clubes. Ele precisa ser uma maternidade de torneios e competições.
Libertadores da várzea
Gente e mais gente chega, muito mais do que qualquer um esperava. São 16,3 mil pessoas, todas se dirigindo ao estádio do Pacaembu no último 20 de setembro. Eram torcedores de Jardim Brasil e Sedex que iam empurrar seus times na decisão da primeira edição da Copa Libertadores da Várzea. O primeiro venceu por 4 a 3 nos pênaltis após empate por 1 a 1 no nono jogo de mais público do futebol brasileiro naquele fim de semana. Um feito incrível para o esporte amador, e que chama a atenção para um dos rumos que o estádio mais tradicional da capital paulista pode tomar.
Desde o segundo semestre de 2014, quando o Corinthians inaugurou sua arena em Itaquera e o Palmeiras reinaugurou a sua em Perdizes, o estádio mais antigo de São Paulo não tem um usuário permanente. A prefeitura da capital luta para manter essa estrutura viva. Em janeiro deste ano, foi feito um chamamento público para atrair potenciais investidores. A empresa que apresentar a melhor proposta explorará comercialmente o estádio, em troca de arcar com reforma, modernização e manutenção do espaço.
Entre outras coisas, a empresa que gerir o Pacaembu terá de:
– restaurar o centro poliesportivo (o clube localizado atrás do estádio e que faz parte do complexo);
– propor um modelo de exploração comercial do estádio como espaço multiuso que privilegie atividades esportivas (ainda que tenha margem para realizar eventos de outra natureza que ajudem a gerar receitas);
– estacionamento com 2 mil vagas;
– wi-fi gratuito para 40 mil torcedores;
– restaurar, modernizar e manter a tribuna do prefeito; e
– recuperar todo o estádio, o deixando apto a receber competições internacionais de acordo com as exigências da Fifa.
Seriam intervenções significativas e, principalmente, custosas. A própria prefeitura estima em R$ 300 milhões os investimentos. De fato, o estádio teria nível internacional para receber grandes eventos. Mas há uma desproporção dos itens acima com algumas das condições apresentadas. Por exemplo:
– o concessionário deverá manter nas mãos do município o centro poliesportivo e a tribuna do prefeito;
– o nome do estádio não poderá ser negociado comercialmente;
– a prefeitura terá direito ao uso gratuito do estádio para dez eventos dentro do calendário anual do município (desde que não se choque com o futebol profissional); e
– continua o impasse em relação ao uso do estádio para a realização de shows (vetada por liminar obtida por moradores da região há dez anos).
De um ponto de vista comercial, é difícil viabilizar os gastos necessários sem ter uso tão frequente da estrutura. Uma saída seria fazer uma parceria com o Santos, que poderia usar o Pacaembu como sua principal casa e conseguiria colocar entre 25 e 30 partidas por ano com público médio de 15 a 20 mil. Caso contrário, a conta não fecha. E é fácil entender o motivo.
O eventual concessionário teria a obrigação de tornar o Pacaembu um estádio de alto nível para a realização de eventos de uma forma que o município mantivesse o caráter público. As duas coisas são positivas, mas o histórico de gestão de arenas no Brasil é desencorajador. Muitas são deficitárias, mesmo em condições economicamente muito mais favoráveis às que o Pacaembu teria sob concessão. Não à toa, apenas três empresas apresentaram propostas para gerir o estádio páulistano, metade do que a própria prefeitura considerava ideal.
O futuro do estádio não é como uma arena moderna. As grandes receitas em estádios estão em manter uma agenda recheada de grandes eventos esportivos e shows. No momento, não há um grande clube disposto a assumi-lo como sua casa (o Santos até considera utilizá-lo mais, mas continuaria mandando parte de seus jogos na Vila Belmiro). Pior, a agenda de show é nula por causa da Justiça, e derrubar a liminar da associação de moradores do (bairro) Pacaembu não mudaria nada. O Allianz Parque já virou o grande palco para apresentações internacionais. A casa do Palmeiras tem capacidade de público e localização similares ao estádio municipal, mas ganha em infraestrutura.
O destino do Pacaembu talvez seja servir a quem precisa dele hoje, e não buscar quem já está em outro momento. O Santos é um caso claro, que já foi mencionado várias vezes aqui de tão óbvio. Assim como abrigar Corinthians, Palmeiras e São Paulo quando suas casas estiverem emprestadas para um show ou outro evento. Mas há outros caminhos. O Flamengo já falou em mandar alguns jogos na capital paulista, aproveitando seus torcedores na cidade. O futebol amador e o feminino também podem realizar partidas esporádicas que tenham apelo acima do normal de público, como mostrou a Libertadores da Várzea e os torneios internacionais de futebol feminino. O rúgbi e o futebol americano são dois esportes em crescimento que poderiam usar o Pacaembu também (o que vai acontecer no caso do primeiro, com um amistoso entre Brasil e Alemanha marcado para dezembro). O UFC é polêmico, mas também levaria bom público em um evento especial anual.
O caráter do Pacaembu é público, e o que ele precisa é de investidores dispostos a abraçar essa característica e fazer melhorias compatíveis com esse perfil comercial. Ele tem um apelo natural por sua história, capacidade e localização. Não pela modernidade.
Por isso, apesar de bem intencionadas, as propostas de transformar o estádio em parque, como às vezes é cogitado, ou em arena multiuso não levam em conta sua estrutura, sua história e o potencial de incubar torneios e criar memórias esportivas, o que também é um serviço à sociedade. O Pacaembu tem de emprestar seu brilho esportivo a quem precisa dele. Afinal, um estádio municipal pode servir aos cidadãos não apenas como arquibancada – mas como palco. É o lugar para quem vive em São Paulo brilhar.
Uma curiosidade histórica
A várzea virou uma imagem tão forte no mundo do futebol que muita gente nem relaciona o termo com seu significado real. Para torcedores e jogadores, “várzea” é um campo em más condições, feito de forma improvisada para a prática de partidas amadoras (normalmente em bairros da periferia das grandes cidades). Um sentido bem distante de planície de inundação, uma área em torno de corpos d’água que alaga na época das chuvas. Um exemplo é o Rio Nilo, cujas várzeas serviram da área de cultivo que possibilitou o surgimento de uma das primeiras grandes civilizações da humanidade.
Digressões egípcias à parte, a várzea geográfica virou a várzea do futebol devido a um local de São Paulo. A Várzea do Carmo era uma região alagadiça em torno do rio Tamanduateí, onde atualmente está a Rua do Gasômetro e o Parque Dom Pedro. Naquele espaço foi realizada a primeira partida de futebol oficialmente reconhecida do Brasil, entre funcionários da Companhia de Gás e da Companhia Ferroviária. O duelo foi organizado por Charles Miller (introdutor do esporte no Brasil e atacante dos ferroviários naquela tarde) em 18 de fevereiro de 1895. Com a estruturação do futebol, os clubes passaram a ter seus estádios e a Várzea do Carmo passou a ser utilizada por equipes sem campo próprio. E aí a “várzea” virou sinônimo de futebol amador.
A cidade que tanto gosta de um concreto canalizou seus rios e acabou com suas áreas alagadiças na década de 1960. A várzea futebolística também agoniza devido à explosão imobiliária que diminuiu muito o espaço para campos amadores, inclusive nos bairros mais afastados do centro. Mas o futebol amador respira, ele quer respirar. A final da Libertadores amadora mostra isso.