O que é? Pedalar com confiança entre outros veículos e pedestres que também circulam pelas vias, reduzindo ao mínimo os riscos para todo mundo, exige um pouco mais do que se equilibrar na bicicleta e seguir em frente. Ao mesmo tempo em que buscam se integrar como parte do tráfego das cidades, os ciclistas também precisam se comportar de forma previsível, sabendo quais são suas responsabilidades. Camila Montagner conta como funciona o trabalho do Bike Anjo, organização que ajuda quem quer começar a pedalar pela cidade – inclusive ensinando como devem se portar.

Dividindo a pista 

Aqui no Outra Cidade já falamos sobre a vulnerabilidade dos pedestres em relação aos outros meios de locomoção. Chegar em segurança em casa é um desafio constante para quem anda a pé. Hoje, no capítulo mobilidade urbana, a conversa é sobre um modal que vem ganhando popularidade e também enfrenta seus percalços pelas vias, ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas. Sim, este é só o primeiro texto sobre ciclismo urbano, por isso achamos que faz sentido começar com os ciclistas de primeira viagem e as pessoas que estão dispostas a ajudá-los.

Vale lembrar que nossas vias e sinalizações são pensadas prioritariamente para veículos motorizados. Além disso, nossa cultura de mobilidade urbana é tradicionalmente conduzida por motoristas e motociclistas. Desabituados, os outros usuários da via se desconcertam com a presença dos ciclistas e há brechas importantes de informação para serem preenchidas – e dos dois lados.

Por isso mesmo, é um ótimo momento para desfazer mal entendidos. Em São Paulo, tem cada vez mais gente pedalando e as bicicletas vão, aos poucos, se tornando mais comuns no dia a dia, e populares nos fins de semana. Uma pesquisa encomendada pela Rede Nossa São Paulo e realizada pelo Ibope em 2014 estima que 261 mil pessoas usem bicicletas cotidianamente como meio de transporte na capital paulista, o que representa um aumento de 86,1 mil em relação ao ano anterior.

Dados de cidades como Amsterdam, onde mais da metade do total de viagens realizadas no centro da cidade são feitas de bicicleta, mostram que, quanto maior o número ciclistas circulando, melhor essa cidade se torna para quem pedala. Além disso, na teoria, o aumento do número de bikes nas ruas beneficia também outras pessoas. A adoção de bicicletas diminui a quantidade de gente que depende de carro e ônibus. Menos veículos motorizados nas ruas significa mais fluidez nas vias e menos poluição do ar. Na prática, aumentar o número de ciclistas é importante, desde que eles saibam quais são as suas obrigações e como compartilhar as ruas com outros modais. Afinal, ciclistas não estão acima das outras pessoas.

Minha primeira bicicleta

Foi pensando em oferecer apoio para quem quer começar a pedalar nas cidades que o Bike Anjo surgiu, com um grupo de ciclistas experientes que auxiliavam ciclistas iniciantes na Bicicletada de São Paulo. Por meio da divulgação entre amigos, a rede de voluntários cresceu com a ajuda da internet e hoje está presente em 260 municípios brasileiros com 1700 voluntários espalhados dentro e fora do país.

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Escola Bike Anjo ajuda quem não sabe andar de bicicleta a dar as primeiras pedaladas (foto: Bike Anjo/Facebook)

Para solicitar a ajuda do voluntário mais próximo é preciso preencher um formulário no site da organização e esperar que ele entre em contato. As regras de conduta, comportamento e sinalização passadas para os iniciantes são sempre as mesmas, mas os trajetos mais indicados, locais para deixar a bicicleta e formas de pedalar variam de um lugar para outro. Somadas as demandas de pessoas que querem usar a bicicleta como meio de transporte àquelas que desejam usar para o lazer, o Bike Anjo faz cerca de 2000 atendimentos por mês.

Nós educamos as pessoas, ensinamos o que é correto e o que não é, mas não podemos nos responsabilizar pela atitude das pessoas quando estão por conta própria. O tempo varia de pessoa para pessoa e o iniciante é considerado apto quando tem confiança para andar sozinho.

Missaki Idehara, voluntário Bike Anjo

Quando não há nenhum voluntário próximo à pessoa que solicitou o Bike Anjo, os próprios membros da organização pedem que o ciclista iniciante indique alguém com experiência em pedalar para ser treinado e passar a fazer parte da rede. Da mesma forma, é possível que alguém que está começando receba ajuda e se torne um Bike Anjo em seguida. Os pré-requisitos para ser um voluntário é querer ajudar e ter confiança.

Não pedalar na contramão, ocupar pelo menos um terço da faixa de rolamento, respeitar o código de trânsito e ter cuidado com as portas dos carros abertas são algumas das dicas básicas. Vale lembrar que a CET também oferece um curso em São Paulo para quem quer aprender a pedalar com segurança. A duração é de 8 horas, sendo 4 horas de aulas práticas e 4 em sala. Os pré-requisitos para quem quer participar são saber andar de bicicleta e ter mais de 18 anos.

Escola Bike Anjo ensina quem não sabe andar de bicicleta

Não ir pela contramão e tomar cuidado com as portas abertas dos carros são duas regras ensinadas pela organização (foto: Bike Anjo/Facebook)

Para aqueles que não sabem andar de bicicleta, a Escola Bike Anjo (EBA) oferece dois módulos dedicados a quem quer dar as primeiras pedaladas. No total o curso possui 6 etapas e inclui dicas para pedalar na cidade, passeios lúdicos, mecânica básica e formação de voluntários. Aproximadamente 100 pessoas procuram o curso por mês apenas em São Paulo e cerca de 500 pelo país. Por causa da alta demanda, em São Paulo e no Rio de Janeiro os 30 participantes são sorteados entre os inscritos. 1200 pessoas já foram atendidas gratuitamente durante os três anos de funcionamento.

A organização conta com o apoio de parceiros e também realiza consultorias e pequenos serviços para pagar os custos operacionais das atividades realizadas. O Bike Anjo planeja desenvolver atividades para crianças nas escolas e atualmente o grupo trabalha em uma ação educativa para não-ciclistas. Sindicatos de taxistas, empresas de ônibus e outras organizações envolvendo motoristas e motociclistas podem se cadastrar para desenvolver uma ação com o Bike Anjo.

Nosso objetivo não é forçar a sociedade a abandonar o modelo de transporte atual e sim para os que optarem por trocar o carro pela bike se sintam seguros em fazê-lo. Somos amigos que querem o bem dos amigos e para isso fazemos apenas oque gostamos, não somos forçados.

Missaki Idehara, voluntário Bike Anjo

Fazer da cidade um lugar melhor para os ciclistas também envolve aumentar a empatia, tornar os outros usuários da via mais compreensivos com quem pedala no trânsito. Cada pessoa tem a sua parcela de responsabilidade. Tornar o tráfego mais seguro depende do respeito que um tem pela vida outro.

Com cada vez mais gente testando se andar de bicicleta é mesmo algo que se aprende uma vez e nunca mais se esquece, quem passa por essa adaptação já sabe que pode pedir ajuda quando faltar coragem ou surgir uma dúvida. A quantidade de gente disposta a ajudar indica que a solidariedade flui naturalmente entre os ciclistas. Afinal, se você se lembra como se anda de bicicleta, provavelmente também lembra que não aprendeu sozinho.